Qual será a primeira cidade do planeta a eliminar a transmissão do HIV?
Foi dada a largada. Uma corrida contra o tempo e contra uma epidemia que completou 42 anos em 2023. Se por muito tempo houve pouca esperança de que um dia conseguiríamos controlar o HIV/Aids, hoje algumas cidades do planeta estão brigando pelo título de primeira a eliminar a transmissão sexual desse vírus.
Entre as mais bem colocadas, Sydney (Austrália) e Amsterdã (Holanda) impressionam com seus números.
A primeira foi o epicentro da epidemia australiana de HIV na década de 1990, mas com redução de 88% na taxa de incidência desde 2010, registrou apenas 11 novos casos da infecção em 2022.
Por isso, durante a Conferência Mundial de HIV que ocorreu na própria Austrália em julho, o país orgulhosamente anunciou que a transmissão desse vírus tinha sido "virtualmente eliminada" naquele município.
Agora foi a vez de Amsterdã mostrar que não entrou nessa corrida para brincar. Às vésperas do início lá de um evento internacional sobre o controle da epidemia de HIV/Aids (Fast-Track Cities), o município que no passado concentrou as maiores taxas de HIV da Holanda, anunciou essa semana uma queda de 95% nesta incidência e registrou somente 9 novos casos de infecção por HIV em 2022.
O anúncio oficial da ONG holandesa Aidsfond dizia "não houve quase nenhuma nova infecção por HIV" em Amsterdã em 2022.
Se você acha que a fórmula utilizada para tais resultados é um segredo, saiba que está enganado. As cidades apenas colocaram em prática o que o Unaids (Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids) recomenda há anos para todo o planeta. Isso envolve a luta contra a sorofobia, o acolhimento das populações mais vulnerabilizadas à epidemia e o amplo acesso à testagem, ao tratamento e à Prevenção Combinada ao HIV.
Um fato comum às duas cidades citadas é a notável expansão na última década do acesso à PrEP (Profilaxia Pré-Exposição ao HIV), o que sem dúvidas foi um dos maiores responsáveis pela redução dos novos casos.
A esperança que trago aqui da erradicação de uma epidemia que já infectou 85 milhões de pessoas e ceifou mais de 40 milhões de vidas desde 1980, é fruto do enorme trabalho desenvolvido ao longo de décadas tanto por pesquisadores quanto por profissionais da saúde que se empenharam para levar os avanços da ciência para seus pacientes.
Julgamento moral e discriminação perante minorias e sexualidades diversas não só não contribuíram com esta construção, mas também funcionaram como combustível para a disseminação viral. Vejam que Sydney e Amsterdã são mundialmente famosas pela liberdade sexual que pregam.
No entanto, descobertas brilhantes da ciência sem a garantia de acesso à população vulnerável trazem pouco ou nenhum resultado na incidência de HIV.
E nesse cenário, a falta de financiamento e de vontade política podem atuar como obstáculos maiores no controle da epidemia do que o tamanho de uma cidade. Basta ver que Sydney e Amsterdã são megalópoles com populações que, respectivamente, passam de 5,1 e 2,4 milhões.
Para mim, a terminologia utilizada para comunicar as marcas atingidas por essas cidades importa tão pouco quanto o número de casos registrados (0, 9 ou 11). As duas cidades já são vitoriosas e merecem parabéns pelas escolhas que fizeram.
São exemplos para o resto do planeta de como o trabalho em conjunto da ciência, comunidade e gestores de saúde pública é possível e é a certeza dos bons resultados.
Por fim, fica aqui o convite para que o Brasil não demore para entrar nessa corrida. Já temos aqui todas as peças que precisamos para esse motor. Basta que sejam conectadas e que então funcionem em sinergia para reduzir os ainda mais de 40 mil novos casos registrados anualmente.
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