Opinião

Aumento de câncer entre jovens: o que os (poucos) dados dizem

A revelação pública do tratamento contra o câncer de Kate Middleton tornou ao mundo mais evidente um fato já conhecido por pesquisadores e oncologistas: a incidência de câncer em adultos com menos de 50 anos está crescendo globalmente. E ainda não se sabe exatamente o porquê.

Enquanto casos como o da princesa e a morte por câncer de cólon do ator Chadwick Boseman, o intérprete do Pantera Negra, com apenas 43 anos, provocam comoção internacional, cientistas se debruçam sobre os —ainda poucos— dados já existentes para achar uma correlação entre fatores externos e o câncer.

Um estudo publicado na BMJ Oncology, no ano passado, apontou que o índice de jovens diagnosticados com 29 tipos de tumores malignos comuns aumentou quase 80% entre 1990 e 2019.

Apesar de ainda ser uma fração pequena perto dessa doença em idosos, os casos de câncer em jovens vão aumentar em torno de 28% até 2030, com base em modelos de predição que contabilizam dados mundiais. Esses mesmos padrões indicam que o número de mortes nesse grupo também vai subir. Nos Estados Unidos, o câncer colorretal, que normalmente atinge pessoas com 60 anos ou mais, já é a principal causa de morte em homens com menos de 50 anos.

Em artigo recente, a repórter da Nature Heidi Ledford entrevistou oncologistas e pesquisadores de instituições e hospitais renomados para fazer uma correlação entre os casos e, a única certeza comum é a crença que dados de algumas décadas podem conter a chave para essa resposta.

A primeira pista importante é que os novos episódios de câncer entre jovens acontecem, majoritariamente, no sistema digestivo, com picos de aumento de tumores de cólon, pâncreas e estômago. Globalmente, o colorretal é o que chama mais atenção, pois pode estar ligado a mudanças de dietas de determinados grupos populacionais.

Esse fator poderia explicar, por exemplo, o crescimento mais rápido da doença nos indígenas e nativos do Alasca do que em pessoas brancas. Além disso, jovens negros com câncer de cólon têm mais probabilidade de serem diagnosticado em estágio mais avançado.

"Diante disso, é provável que determinantes sociais da saúde desempenhem um papel significativo nas disparidades do câncer entre as populações jovens", diz Sonia Kupfer, gastroenterologista da Universidade de Chicago. As condições incluem o acesso restrito a alimentos saudáveis e estilo de vida sedentário.

A proeminência dos cânceres gastrointestinais e a coincidência com mudanças na dieta em apontam para o aumento das taxas de obesidade e alimentação rica em processados como prováveis culpados. Mas análises estatísticas sugerem que esses fatores não são suficientes para explicar todo o quadro.

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O ceticismo de especialistas é explicado por casos como o de uma paciente de 32 anos, de hábitos extremamente saudáveis e que estava se preparando para correr uma maratona. A mulher que foi tratada por Cathy Eng, oncologista na Vanderbilt University Medical Center em Nashville, nos Estados Unidos, tinha um câncer que já havia tomado mais da metade de seu fígado.

Ampliar os estudos entre os países pode ajudar a decifrar este enigma, uma vez que, apesar de estar em crescimento, a amostragem de dados de câncer entre jovens ainda é pequena. Cathy Eng está desenvolvendo um projeto com colaboradores da África, Europa e América do Sul para analisar possíveis correlações entre a composição do microbioma intestinal. Outra abordagem promissora é examinar as diferenças entre países próximos, como o Japão e da Coreia do Sul. Mesmo com similaridades socioeconômicas, o câncer colorretal está aumentando em um ritmo mais rápido entre os coreanos.

Infelizmente, ainda carecemos de dados médicos confiáveis para determinar as causas do aumento de câncer entre jovens e, por isso, a hora de pesquisadores se mobilizarem e criarem um banco de informações robusto é agora.

Por enquanto, é importante que os médicos compartilhem referências sobre tumores de início precoce e acompanhem seus pacientes mesmo depois de concluírem a terapia, para desvendar a forma menos agressiva e mais eficaz de tratá-los. Se em algumas décadas ainda não tivemos explicações plausíveis para as neoplasias entre jovens, a (ir)responsabilidade será dessa geração.

*Leonardo Vedolin é diretor-geral médico e de cuidados integrados da Dasa

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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