Opinião

TDAH: uma proposta de abordagem de quem foi diagnosticada já adulta

Começo pelo nome: transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, TDAH. É um nome muito ruim. Começa pela lógica: pretende ser um nome autoexplicativo, mas leva a ideias mais erradas sobre as pessoas diagnosticadas com TDAH.

Pergunte àqueles com atenção típica o que eles imaginam que seja e te responderão coisas como distraídos, bagunceiros, agitados. Alguns ainda dirão: "também sou tão distraído, acho que também tenho". A questão é que, além da agitação motora, que é verdade para uma parte das pessoas desse grupo, os conceitos que o nome evoca são todos equivocados.

Transtorno, segundo o dicionário, é algo que "inverte a ordem natural das coisas". Cerca de 10% a 30% da população tem a visão míope, 1% a 2% tem a pele com pigmentação atípica, a que chamamos "vitiligo", mais ou menos 10% da população mundial tem olhos azuis e cerca de 10% tem TDAH.

Todas essas variações da "normalidade" podem ser denominadas "transtorno" por técnicos de saúde, mas nenhuma delas inverte qualquer tipo de ordem. Cabem melhor, para todas elas, denominações que as apresentem como diferenças, não transtornos.

As pessoas das quais estamos falando não têm um "transtorno" de deficiência de atenção. Ao contrário, são capazes de hiperfoco. Ou seja, podem ficar tão inteiramente absorvidas pelo que estão fazendo que a necessidade de desviar a atenção daquilo pode lhes causar desconforto físico.

Uma dica: ao chamar a atenção de uma criança com TDAH, dê a elas alguns segundos para conseguir sair do transe do hiperfoco.

O nome dessa variação de padrão de atenção deveria indicar que aquelas pessoas têm a atenção voluntária dirigida diferente do padrão comum. Elas têm uma atenção voluntária atípica, ou AVA, denominação que acabei de inventar e que é como passo a chamar o TDAH daqui para frente.

São pessoas extremamente focadas, mas não, obrigatoriamente, no que o momento demanda delas. Aí é que está o problema.

Perdemos prazos, nos envolvemos em tarefas menos prioritárias, esquecemos objetos, inclusive nossos carros. Somos distraídos? Voltando ao dicionário, distraído é aquele que perde a atenção com frequência. Sendo assim, a resposta é não.

Continua após a publicidade

Pessoas com AVA podem ser ou estar distraídas, como qualquer um com cérebro de atenção típica. O que muda no AVA não é a perda fácil da atenção, mas, sim, a busca incessante por algo que a mereça —estímulos fortes, apelativos.

O cérebro de qualquer pessoa, sem exceção, desviará seu foco quando ouve o som de uma explosão, não importa quão interessados estivéssemos em nossa tarefa anterior. Estímulos menores, por outro lado, serão ignorados pela maioria.

Pessoas com a atenção voluntária típica conseguirão com maior facilidade não começar a contar carros vermelhos que passam pela rua durante uma aula chata.

Os com AVA serão os primeiros a começar essa contagem mas, por outro lado, poderão ser os últimos a notar um acidente, se estiverem realmente focados, ou hiperfocados.

Hiperfoco é o superpoder do AVA. A importância de entendermos corretamente a diferença entre a distração e a busca pela atenção fica evidente na hora dos ajustamentos diários que competem aos com AVA.

O enfrentamento de desafios de acalmar o cérebro deve envolver estratégias que busquem estímulo e controle. O que estou tentando explicar é que, para os AVA, "distratores" podem ser bons —ou o que pode ser que as pessoas considerem distratores.

Continua após a publicidade

"Você está desenhando em vez de prestar atenção na aula!", diziam as minhas professoras. Encontrar estímulos paralelos pode ser o que um cérebro agitado precisa e o desafio é descobrir o que pode cumprir essa função de forma eficiente —essa busca é individual.

Em uma aula chata, o cérebro pode ser estimulado pelo desafio de fazer uma anotação perfeita no caderno, ou engraçada. A anotação pode conter desenhos e ser entremeada por ideias e perguntas próprias contidas entre aspas.

Numa reunião posso fazer a ata, desenhar o que está sendo dito, "brincar" com objetos nas mãos. Acalmar o cérebro, com técnicas de meditação, por exemplo, também pode estar entre as estratégias, mas com o entendimento de que mesmo para um budista não é fácil meditar por uma hora seguida.

Objetivos alcançáveis serão mais vezes bem-sucedidos. Sim, talvez o brinquedo, ou o desenho, possa acabar sendo mais interessante do que a "aula ou a "reunião" —eu não disse que a proposta do estímulo paralelo seria fácil ou mágica.

Ao decidir por escrever esse texto, quis organizar ideias que venho discutindo nos últimos anos, com professores, amigos, pais e mães e outras pessoas com AVA.

São reflexões de uma leiga, porque não sou estudiosa do tema, mas entendo que pode ajudar a outros. Pais e mães, em especial. Nessas conversas, costumo dizer: não é ruim nem bom, é diferente. Nas situações do dia a dia, há vantagens (lembra do hiperfoco?) e desvantagens, mas nenhuma insolúvel.

Continua após a publicidade

Pais e professores, é necessário construir ferramentas —como para qualquer um, aliás. Parafraseando um livro famoso, pessoas felizes são todas iguais, mas as normais são cada uma à sua maneira (esta razoavelmente diferente da Anna Karenina, não sei se pode).

A diferença de padrão de atenção é exatamente como qualquer outra diferença ou desafio —precisa ser reconhecida e compreendida na medida certa. Abordar atenção atípica é como a necessidade de usar óculos ou dificuldade em matemática. Os óculos são individuais e a dificuldade no aprendizado da matemática também tem causas diferentes.

Crianças com AVA podem não aprender matemática porque, para isso, é necessário ouvir atentamente a explicação, independentemente da capacidade racional para compreensão do tema. Para que essa atenção ocorra, precisam de estímulo paralelo, mas, no lugar disso, recebem ordens disciplinares e conteúdo facilitado.

Elas se beneficiam de desafios e recebem condescendência. Pais e escolas devem começar a buscar bons desafios ao invés de facilidades. Tarefa complexa, adianto.

Se a aula expositiva não funciona, proponha caminhos paralelos. Forneça as ferramentas para que ele/ela possa encontrar a própria maneira de entendimento dos assuntos, alcançar os objetivos propostos.

Indique textos, vídeos, desenhos, proponha jogos, atividades. Pergunte ao seu aluno, amigo, parceiro, qual a forma de organização que mais o ajuda. Diferenças não são problemas. Problema é não saber lidar com elas.

Continua após a publicidade

Os com AVA não precisam de programas de "inclusão" se não forem excluídos.

*Gladys Prado é médica infectologista e doutora na área de epidemiologia hospitalar pela USP. Formada também em engenharia agronômica.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Deixe seu comentário

Só para assinantes