Lúcia Helena

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Reportagem

Faça xixi antes! Detalhes importantes para medir a pressão arterial em casa

O título deste texto soa apelativo, mas urinar antes é, de fato, uma das orientações para garantir a acurácia da medida da pressão arterial. Aliás, pode apostar que ela já subiu um pouco, se esse apelo deu certo e chamou a sua atenção ou surpreendeu.

"Qualquer bobagem faz oscilar a pressão sobre nossas artérias. Ela pode aumentar quando você sente um desconforto físico, tem um aborrecimento, vê alguma coisa que dispara uma reação de estresse e, sim, quando algo lhe chama a atenção também", garante o cardiologista Audes Feitosa.

Não à toa, quando chegam lhe dizendo "doutor, minha pressão é 12 por 8" ou o que for, ele logo corrige o cidadão, sublinhando os verbos de sua fala com aquele sotaque musical dos pernambucanos: "A pressão arterial da gente nunca 'é', ela 'está'. Portanto, sua pressão está 12 por 8".

Todos os números

Para entender como a sua pressão arterial anda de verdade, você precisa tomar uma série de cuidados, afastando ou minimizando tudo aquilo que poderia interferir, no momento de conferir os seus valores — valores que, segundo o doutor Feitosa, devem ser apontados com todos os dígitos, sem arredondar. Assim, o correto seria dizer que a pressão 12 por 8 do nosso exemplo é — ou melhor, está —121 por 82, quem sabe.

Talvez se pergunte por que é importante conhecer cada um dos três algarismos da pressão sistólica — aquela registrada no instante em que o coração se contrai feito um pano torcido para bombear vigorosamente o sangue — e cada um dos dois números da pressão diastólica, que é a força da circulação contra as paredes arteriais enquanto o coração relaxa para se encher novamente de sangue.

Ora, precisão é tudo se queremos controlar a hipertensão. Observe pequenas diferenças na comparação com checagens anteriores para ver se não há uma tendência à subida.

Pelo mesmo motivo, isto é, em nome da precisão, é que você deve seguir o que dizem as Diretrizes Brasileiras de Medidas da Pressão Arterial Dentro e Fora do Consultório, novíssimas até no nome, que explicita pela primeira vez a ideia de que existem orientações para quem vai fazer a checagem em casa. Elas foram lançadas pela SBC (Sociedade Brasileira de Cardiologia) no final da semana passada.

O doutor Audes Feitosa foi quem coordenou esse trabalho de fôlego, que envolveu 67 — 67! — dos maiores especialistas em hipertensão do país. Preceptor da Cardiologia da Universidade de Pernambuco, ele ainda era um estudante de Medicina quando, final dos anos 1990, ouviu o conselho de um professor. Francisco Barretto, mais conhecido como doutor Chicão — que, por ironia, cuidava de pacientes com doenças raras — disse que, se ele quisesse ser um bom médico, deveria atuar em uma doença que fosse muito prevalente na população brasileira. O jovem, então, pensou em hipertensão. E não parou mais de se dedicar a ela.

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Silenciosa e grave

A hipertensão faz estragos não só no Brasil, mas no mundo inteiro. Leva à morte, a cada ano, mais de 10 milhões de indivíduos.

No nosso país, 24% das pessoas têm pressão arterial elevada, de acordo com o Relatório de Estatística Cardiovascular de 2023, realizado pela SBC. Entre os que têm mais de 65 anos, a prevalência salta para 61%.

"O tratamento adequado reduz infarto, AVC, doença renal e, no final das contas, mortalidade", afirma Audes Feitosa. Mas, parece óbvio, só pode ser tratado quem reconhece que tem o problema. O desafio é que a hipertensão é assintomática. "Por isso, é fundamental medir a pressão arterial pelo menos uma vez ao ano", diz o médico. E, claro, no caso dos que sabidamente são portadores de hipertensão, a frequência das medições deve ser maior: a cada seis meses no consultório e a cada semana, em casa.

Medir a pressão fora do consultório

O documento da SBC explica como deve ser a medição em locais públicos, em farmácias, durante a prática de exercício físico. Mas, aqui, vamos nos concentrar no que as diretrizes falam sobre a AMPA, sigla para "automedida da pressão arterial."

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Ela exige que você zele por vários detalhes. "Existem pessoas que acham que não têm hipertensão simplesmente porque fizeram a medição na hora errada", exemplifica o doutor Feitosa.

Também existe o inverso: gente que é tratada de hipertensão porque os valores da medida pareceram altos no consultório. É que existe a tal síndrome do avental branco. Ou seja, mesmo sem ter muita consciência, alguns indivíduos se estressam quando o médico ou outro profissional de saúde se aproximam. E só isso pode fazer com que a pressão arterial tenha um pico.

Em tempo: quem se surpreendeu com uma pressão nas alturas em uma ida ao médico poderia fazer, pelo sim, pelo não, uma automedida no sossego do seu lar para confirmar se é isso mesmo.

O aparelho certo

Só médicos podem medir a pressão com estetoscópio — mais ninguém. Em casa, você irá usar um aparelho automático ou semiautomático. "Escolha um equipamento de braço", recomenda o doutor Feitosa. "Os que fazem a medida pelo punho costumam ser pouco precisos", justifica.

Fundamental que o modelo escolhido tenha o selo do Inmetro (Instituto de Metrologia). Se você acha que pode encontrar um preço mais em conta na internet, escolha antes o aparelho em uma farmácia ou em uma loja de equipamentos médicos, checando se exibe o tal selo, para, daí, buscar pelo mesmo produto naquele mercado virtual. "Caso contrário, pode chegar em sua casa um aparelho sem essa garantia de acurácia", alerta Feitosa.

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Faça xixi antes de mais nada

Mesmo que você não se dê conta, a sensação da bexiga cheia cria um certo desconforto, capaz de aumentar ligeiramente a pressão arterial. Além disso, a própria bexiga, ao estar repleta de líquido, pode comprimir vasos e fazer alguma diferença.

5 minutos de repouso

Essa pausa deve ser, nas palavras das diretrizes, "em ambiente calmo". E você precisa estar sentado de um jeito em que seu corpo fique muito confortável, com os pés tocando completamente o chão e as costas bem apoiadas no sofá ou na cadeira, perto de uma mesa. Isso porque, passados os cinco minutos, na hora da automedição em si, o braço deve ficar relaxado sobre esse móvel, com a palma da mão para cima. "Se você sustentá-lo no ar, a tensão dos músculos também irá interferir", ensina o cardiologista.

Bico calado!

Mantenha-se em completo silêncio não apenas durante o automedição, mas ao longo dos 5 minutos de repouso. "Quando você fala qualquer coisa, seu cérebro elabora frases e pensamentos", explica o médico. Isso — adivinhe! — eventualmente também faz a pressão aumentar um tiquinho.

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Para ilustrar, o doutor Feitosa lembra que alguns indivíduos com gagueira cantam sem travar nas palavras. "É que o cérebro decorou a letra da música, o que é diferente de elaborar uma fala, quando o estresse faz com que voltem a gaguejar. O mesmo raciocínio vale para a medida da pressão arterial."

Fique com as pernas descruzadas

Isso vale desde o repouso, antes da automedição. "Ao cruzar as pernas, você dificulta a circulação, o que compromete resultado", diz o médico.

Não faça exercícios 90 minutos antes

Durante o exercício físico, a pressão sobe. Mas cai logo na sequência, em uma espécie de compensação. Isso, aliás, é ótimo para a saúde. Mas, no dia da automedição, pode dar a ilusão de que a pressão está mais baixa.

Espere meia hora, se comeu, fumou ou tomou banho

Quando você come, a pressão cai. "Essa é uma das razões daquele soninho que bate após as refeições", conta o doutor. Ele sugere que você faça a automedida ao acordar, depois de ir ao banheiro e antes de tomar o café da manhã. Por falar em café, o certo é evitá-lo antes do exame, por ser um estimulante. O mesmo vale para o cigarro convencional ou eletrônico — que não faz nada bem à pressão, óbvio.

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A temperatura da água do banho é outra pode bagunçar a precisão do exame. Para quem gosta de um chuveiro quente, a pressão arterial tenderá a cair. Já para quem suporta uma ducha fria, a pressão costuma subir. Moral da história: deixe o banho para mais tarde ou aguarde os 30 minutos.

Aguarde para tomar o remédio

Se você já usa medicamentos para controlar a hipertensão, faça a automedida primeiro para, só então, tomá-los. "Os remédios não baixam a pressão como muitos pensam e, sim, ajudam a mantê-la normal. De todo modo, é importante conhecer a real situação, sem eles", explica o cardiologista.

Faça três medidas

O intervalo entre elas deve ser de um minuto. Então, calcule a média dos valores apontados no aparelho. A pressão será normal se estiver menor que 130 por 85.

E no consultório?

Todos esses detalhes — e outros até — também são observados pelos médicos. Saiba o seguinte: todo especialista deveria medir a pressão do paciente em qualquer consulta. Inclusive os pediatras, se a criança já tem mais de 3 anos. "Nem haveria cardiologista para diagnosticar e tratar tanta gente com hipertensão", comenta o doutor Feitosa. E, claro, há a sua parte, em casa. Já fez uma automedida de pressão arterial? Agora, você já sabe como é.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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