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Blog da Lúcia Helena

REPORTAGEM

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Como gordura na barriga e sonolência diurna atrapalham tratar a hipertensão

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Imagem: iStock

Colunista de VivaBem

18/04/2023 04h00

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Sem querer menosprezar o colesterol elevado, o diabetes, o tabagismo, nem qualquer outra condição que deixe o peito em maus lençóis, a realidade é que hoje a hipertensão é considerada o maior fator de risco para alguém morrer de doença cardiovascular.

A explicação para isso é matemática: entre 30% e 40% dos adultos vivem com a pressão nas alturas. Essa é uma prevalência bem maior do que a de outros problemas.

Para complicar, boa parte dessa gente sai pelas ruas sem nem desconfiar que é hipertensa porque não sente nada. Trata-se de um mal traiçoeiro por ser completamente assintomático. E, sim, existem pessoas que morrem na ignorância — ou por causa dela.

No Brasil, mesmo se você olhar só para quem recebeu o diagnóstico de hipertensão — e que, portanto, sabe muito bem o que tem —, verá que apenas um em cada cinco pacientes consegue controlar a sua pressão arterial. A razão de ser uma minoria é a má adesão ao tratamento, ou seja, muitos indivíduos não tomam direito aqueles remédios prescritos para baixá-la.

"A adesão é um desafio seríssimo", observa o cardiologista Luciano Drager, médico assistente da Unidade de Hipertensão do InCor (Instituto do Coração), em São Paulo. "Não à toa, sempre buscamos entender o que é capaz de influenciá-la."

A Medicina sabe de longa data que o nível educacional conta bastante: quanto menor a escolaridade, mais difícil para o sujeito compreender a importância de seguir à risca o que o médico lhe recomendou.

O nível socioeconômico entra na equação na medida em que facilita ou dificulta o acesso aos serviços de saúde. "E, no nosso país, o racismo estrutural também tem um peso considerável", lamenta o doutor. "Pessoas de etnias não brancas tendem a ter uma pior adesão." Finalmente, o fato de a hipertensão não ter sintomas tampouco ajuda que ela seja levada tão a sério por todo mundo.

"O nosso questionamento, porém, foi o seguinte: será que dormir mal atrapalharia ainda mais, prejudicando a memória e fazendo a pessoa se esquecer de tomar seus remédios?", conta Luciano Drager que, afinal, estuda os elos entre noites bem dormidas e saúde cardiovascular há tempos, sendo o atual presidente da Associação Brasileira do Sono.

A resposta que ele e seus colegas encontraram é de arregalar os olhos de tão inusitada: o que mais perturba a adesão ao tratamento da hipertensão, senhores, não é a insônia, nem o sono mais curto do que o desejado, nem mesmo a apneia com seus ruidosos roncos. Entre os distúrbios do sono, o que mais complica seguir corretamente o tratamento é a sonolência diurna excessiva.

Tem mais: aparentemente, a principal causa dos bocejos e do farol baixo em plena luz do dia é o acúmulo de gordura visceral alargando a cintura.

Entenda como foi o estudo

Primeiro, os pesquisadores do InCor olharam para os participantes do Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto, o ELSA Brasil. Trata-se de uma investigação multicêntrica envolvendo mais de 15 mil pessoas do Nordeste, do Sudeste e do Sul do país. O objetivo é acompanhá-las para entender os fatores de risco por trás de doenças crônicas, especialmente as cardiovasculares.

"Separamos 411 indivíduos que tinham sido diagnosticados como hipertensos e que tomavam pelo menos um medicamento para tratar a pressão", explica Drager. A idade média deles era de 54 anos, sendo 47% homens.

"Todos responderam um questionário simplificado para que tivéssemos uma ideia de como estava a questão da adesão", continua Drager que, aliás, não ficou nada surpreso com o resultado, segundo o qual 62% tinham uma adesão moderada — "o famoso 'falho de vez em quando'", define o médico — ou ruim pra valer, esquecendo-se quase sempre da medicação.

Paralelamente, foi realizada uma avaliação do sono de cada um. "Por meio de exames, medimos a sua duração, identificamos os casos de insônia e a eventual presença da apneia", descreve o cardiologista. "Além disso, aplicamos questionários para avaliar a sonolência diurna."

Todos esses aspectos ligados à qualidade do sono foram confrontados com aqueles outros fatores já sabidos, que poderiam abalar o tratamento. "A adesão era mesmo pior entre os participantes mais vulneráveis socioeconicamente", exemplifica Luciano Drager. "Confirmar esse dado, que não é nenhuma novidade, serviu para mostrar a consistência do nosso trabalho." Isto é, para que ninguém desconfiasse do resto.

Isso porque, ao contrário do que os pesquisadores esperavam, a apneia do sono e a insônia não influenciaram na adesão. No entanto, quem sentia sonolência diurna costumava se esquecer dos remédios.

O que causa a sonolência diurna?

Ficar caindo de sono durante o dia é um sintoma muito inespecífico. "Você pode ter sonolência porque está trabalhando demais. Ou porque tem uma disfunção, como um hipotireoidismo", começa a listar o especialista. "Talvez esteja sonolento por causa de uma depressão ou porque tomou um medicamento com esse efeito adverso. Quem sabe esteja com sono só porque acabou de almoçar?".

Enfim, seria impossível checar tantas possibilidades. O que estava ao alcance de Drager e seus parceiros de estudo era investigar se a tal sonolência de alguns participantes não seria provocada por outro distúrbio do sono.

"Ora, se alguém dorme mal por causa da insônia ou da apneia, provavelmente vai bocejar de cansaço ao longo dia", raciocina ele. Sim, pode acontecer. Mas, no estudo do InCor, o que apareceu por trás da sonolência foi a cintura larga. "Ela indicava que aquele indivíduo tinha um acúmulo de gordura visceral", explica o cardiologista.

Barriga e sonolência

O tecido adiposo abdominal é tremendamente ativo. Produz o tempo inteiro diversas moléculas inflamatórias. "Estudos experimentais já demonstraram que essas substâncias conseguem atravessar a barreira do cérebro", diz Luciano Drager. "Uma vez ali, diminuem o estado de vigília."

Isso não é nada estranho. Quem fica gripado, por exemplo, só quer saber de cama. Isso porque a gripe induz uma baita inflamação. As moléculas inflamatórias, então, fazem o mesmo trajeto — alcançam o cérebro, entram nele e nos derrubam. A cabeça não funciona para quase nada, só quer descansar.

O sonolento no consultório

Muita gente se adapta ou tolera a sonolência que sente dia após dia. "Mas, se ela é excessiva, pode até mesmo ser sinal de doença", avisa Luciano Drager. "E, ainda que não seja, merece ser relatada ao médico só por aumentar o risco de você não se lembrar dos remédios que precisa tomar."

Os médicos, de seu lado, também não costumam indagar durante a consulta se o paciente se sente sonolento — a não ser se, como Drager, lidem diretamente com distúrbios do sono.

O estudo do InCor talvez ajude a mudar um pouco esse cenário. "Mais do que ressaltar a importância de a gente abordar a sonolência na consulta, ele mostra que é preciso observar se o paciente tem muita gordura abdominal", afirma o cardiologista. "Ser for o caso, perder a barriga, além de proporcionar benefícios já conhecidos, poderá melhorar o seu estado de vigília e atenção para que tome os anti-hipertensivos direito."

Aliás, não será só o tratamento da hipertensão que sairá ganhando. "Afinal, ninguém tem seletividade na adesão", brinca Drager. "Quem não lembra de engolir comprimidos para a pressão geralmente também se esquece dos medicamentos para tratar outro problema", nota. "E o hipertenso costuma apresentar outras doenças, como diabetes. Por isso, tem mais medicações e horários para memorizar."

A hipótese é que, perdendo gordura abdominal, a pessoa se sentirá mais disposta e alerta. Logo, desperta para o que deve fazer em prol da sua saúde.