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Lucas Veiga

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Quem tem medo da liberdade?

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

16/11/2021 04h00

Por que há pessoas que lutam pela servidão como se lutassem pela liberdade? Essa questão aparece na filosofia de Espinosa e me parece fundamental pensarmos sobre ela nos dias de hoje.

O que faz com que algumas pessoas queiram impor seu modo de pensar ou de viver sobre todas as demais pessoas? O que faz, por exemplo, com que pessoas desejem um regime ditatorial? É certo que há uma série de interesses políticos por trás da supressão das liberdades individuais ou do desmonte de um Estado democrático. Mas do ponto de vista clínico, o que passa pelas subjetividades que desejam o autoritarismo ou que defendem uma única forma de ser? Medo e ódio à vida é uma das respostas à pergunta.

O medo da vida é a recusa ao trabalho que viver nos exige. Trabalho de descobrir o que faz sentido pra mim e o que não faz; de experimentar por quais caminhos e por quais relações minha potência de viver é aumentada ou diminuída; quais pensamentos, filosofias, ideologias produzem sociedades justas e quais reproduzem injustiças.

Quem tem medo da vida não quer ter de lidar com essas questões, deseja que alguém lhe diga o que deve ser feito, consumido, pensado. Quem tem medo da vida não suporta o exercício de liberdade que a vida nos convoca que é o de criar um modo de vida próprio, singular, ao mesmo tempo que integrado numa coletividade. Que alguém diga como se deve viver, que um tirano decida por mim, pensam os que se acovardam diante do exercício de estar vivo.

O ódio à vida tem a ver com não suportar o fato de que a vida não se dobra à moral. Aqueles que odeiam a vida acreditam que deva existir apenas uma única forma de ser, de pensar, de desejar. Eles criam um falso duelo entre o Bem e o Mal, no qual o bem é tudo que reflete sua imagem e semelhança e o mal, tudo que denuncia que a vida é livre para ser de outras formas. Eles não suportam as contradições e complexidades próprias da vida, desejam que um tirano imponha sobre a vida uma verdade fixa, homogênea e imutável.

Nesta perspectiva clínico-política, podemos concluir que todo regime autoritário está fadado ao fracasso e todo sujeito que deseja impor um único modo de ser está fadado à frustração. Pode-se até capturar as instituições de um país, mas jamais a força de liberdade da vida que perpassa aqueles e aquelas que não têm medo nem ódio dela.