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Gustavo Cabral

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Proteína spike do coronavírus é tóxica? Vamos entendê-la?

A proteína spike é a "coroa de espinho" que recobre os coronavírus, como o causador da covid-19 - iStock
A proteína spike é a "coroa de espinho" que recobre os coronavírus, como o causador da covid-19 Imagem: iStock

Colunista do VivaBem

21/02/2022 04h00

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Os coronavírus são caracterizados pela proteína spike (espícula), que é a "coroazinha" que cobre o vírus e desempenha um papel fundamental no desenvolvimento das doenças provocadas pelo micro-organismo, assim como na evolução e transmissão viral.

Como você sabe, o Sars-CoV-2, causador da covid-19 e responsável pela pandemia que estamos enfrentando, é um tipo de coronavírus. Desde que ele surgiu, já fomos bombardeados por inúmeras fake news. E uma das mais recentes é que a proteína spike —que tem sua produção estimulada pelas vacinas de mRNA (como a da Pfizer), para o corpo desenvolver anticorpos contra ela (e o vírus)— é tóxica e se espalha por todo o corpo, causando danos ao coração, aos vasos sanguíneos, ao cérebro e a outros órgãos, como fígado, rins etc.

Todos esses problemas não estão relacionados à proteína spike e, sim, à infecção pelo coronavírus. Ou seja, se você não quer desenvolver essas complicações que podem levar à morte, deve temer o vírus e não as vacinas. Portanto, vacine-se —e isso inclui tomar a terceira dose (de reforço)—, use máscara e evite aglomerações.

Entenda a proteína spike

Compreender o mecanismo dessa parte do vírus é importante para não acreditar em fake news que circulam por aí, espalhadas por negacionistas e grupos antivacina —que muitas vezes contam com a presença de médicos.

A proteína spike e seus estados de variação —sim, ela muda de forma— afetam a capacidade do vírus de infectar nosso corpo e gerar a doença. Também tem relação com mutações que podem fazer com que o coronavírus evolua. Por causa disso, essa proteína é o grande alvo das inúmeras terapias e vacinas, que potencialmente reduzem e/ou previnem a infecção pelo Sars-CoV-2.

Para o coronavírus entrar em nossas células, ele precisa fazer uma fusão com um receptor. Imagine que ele conecta uma chave, que é sua proteína spike, a uma fechadura —o receptor das nossas células.

Ao fundir a proteína spike com o receptor de nossas células, acontece um tipo de rearranjo e mudanças na forma da proteína spike. Há, inclusive, a quebra de alguns fragmentos da proteína, para que o encaixe com o receptor da célula seja bem feito. Consequentemente, ocorre a liberação de peptídeos (pedaços da proteína), o que favorece a inserção na membrana de nossas células.

Mas o papel da proteína spike é só esse, de "abrir a porta" das nossas células para o vírus entrar e se multiplicar. Os problemas gerados pela covid-19 ocorrem por causa da "reprodução" do vírus, não da proteína spike, que de tóxica não tem nada.

Outro ponto que é importante citar é o padrão evolutivo da proteína spike e a consequente melhora do vírus nas taxas de transmissão. Curiosamente, a proteína spike do Sars-CoV-2 compartilha quase 80% de identidade com a proteína spike do Sars-CoV-1. Portanto, as partes não conservadas restantes, ou seja, aquelas que mudaram ao longo do tempo e com sucessivas infecções, podem explicar as diferentes características obtidas por esse novo coronavírus, como maior capacidade de infecção e de agressividade.

Vacinas de mRNA e a proteína spike

As vacinas de mRNA carregam informações para as células do nosso corpo, fazendo que elas produzam proteínas spike —mas só é produzido esse pedaço do vírus e não ele inteiro, logo, não há qualquer perigo de ficar doente.

Ao reconhecer a proteína spike em células do corpo, nosso sistema imunológico aprende a fabricar defesas (anticorpos) contra ela, ficando preparado para combater uma futura infecção pelo coronavírus. Com isso, consegue evitar uma grande multiplicação do coronavírus no organismo, impedindo que a infecção cause doenças graves e mortes.

Vale ressaltar que, após ser "traduzido" em uma proteína, o mRNA da vacina é inativado e limpo do nosso organismo, como fazemos com tudo que não serve mais.

Confie na ciência

Vários trabalhos publicados mostraram a capacidade do mRNA em induzir potentemente a ativação do sistema imunológico, como a produção de anticorpos capazes de neutralizar o vírus, além de ativar as células T, que são muito importantes para eliminar o vírus quando estão dentro de nossas células, proporcionando uma alta proteção contra a covid-19 sem causar outro tipo de doença grave, como as fake news tentam chamar a atenção.

Estou citado informações da literatura, mas não sou apenas um pesquisador teórico de vacinas, pois trabalho no desenvolvimento de tecnologias de vacinas aqui no Brasil e já trabalhei com isso em outros países, por muitos anos, como na Inglaterra, na Universidade de Oxford, e na Suíça, no Hospital Universitário de Berna. E não tenho nenhum vínculo com qualquer uma das farmacêuticas fabricantes de vacina. Por isso, eu me sinto totalmente livre para dizer que essas vacinas são seguras, pois avaliei de forma isenta os trabalhos científicos publicados e os dados disponibilizados por quem produz ciência.

Além disso, sou um forte crítico das empresas, por se manterem numa posição de conforto. Enquanto lutamos para a população se vacinar, eles apenas ganham os muitos bilhões, sem investir muita coisa em campanhas de conscientização, além de focarem nos países ricos. Ou seja, quem pagar leva, e quem não tem dinheiro que lute para sobreviver —ou morra com a doença.

Não acredite em fake news. Vamos nos vacinar o mais rápido possível e mandar para o esgoto os negacionistas e os antivacina —incluindo o grupo de médicos que se uniu a esse povo.

Vamos também cobrar, de forma cada vez mais intensa, a vacinação global. Caso contrário, novas variantes vão surgir e teremos de enfrentar, de tempos em tempos, novas ondas de infecções e mortes por covid. É a vacinação global —e não os médicos negacionistas— que vai colocar um ponto final na pandemia.