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Gustavo Cabral

Precisamos adotar a popularização da ciência como estratégia de vida

Colunista do VivaBem

12/11/2020 15h24

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O desenvolvimento científico geralmente é relacionado aos centros de pesquisa laboratorial e sem uma interação clara e progressiva com a sociedade. Isso leva a uma falsa compreensão de que quando os resultados concretos chegam para o povo, este utiliza sem saber a origem nem a relação que tem com a ciência. Com isso, a desconexão entre ciência e sociedade aumenta ainda mais, algo que jamais poderia acontecer, pois a ciência nada mais é do que o resultado do questionamento e necessidade humana de novas descobertas, e seu uso dever ser especificamente para servir a vida.

Popularizar a ciência e seus conhecimentos é uma maneira de caminhar junto com a sociedade. Com isso, todos ganhamos, nós cientistas e cidadãos, pois com o reconhecimento social, teremos uma atenção permanente e não sofreremos com fortes oscilações que possam prejudicar trabalhos de pesquisa e, consequentemente, prejuízos incalculáveis para a nação.

Mas porque essa separação? Há algum motivo tão claro para observar?

Acredito que não seja fácil de diagnosticar um ou mais motivos, mas podemos citar alguns. Porém, acredito que o mais importante é visualizarmos os caminhos para que possamos seguir juntos e termos um contínuo investimento em ciência, tecnologia e inovação com consciência da sociedade sobre o que está sendo investido e como esse retorno afeta na vida de cada pessoa.

Um dos primeiros passos para isso acontecer é nós, cientistas, buscarmos falar a língua do povo e usar um vocabulário que não se restrinja apenas aos centros acadêmicos e de pesquisa. Embora não pareça difícil, para uma sociedade tão elitizada que é essa vinda do academicismo, isso é uma enorme barreira. O problema é que isso constrói muros enormes e afasta a ciência da sociedade, de modo geral.

Com isso, podem surgir figuras esdrúxulas, com pouco conhecimento da área, e falar asneiras, de forma simples, mas que levam a população a olhar para os universos do conhecimento como algo ruim, algo que não tem relação direto ela. Quem não se lembra de quando o então Ministro da educação Abraham Weintraub afirmou que universidades estariam abrigando "extensivas plantações de maconha"? Ou quando o presidente da república, Jair Bolsonaro, afirmou que "nas universidades, você vai na questão da pesquisa, você não tem, poucas universidades têm pesquisa e, dessas poucas, a grande parte está na iniciativa privada"?

Os dois exemplos demonstram falta de conhecimento sobre o assunto e/ou, talvez, tenham sido até uma tentativa de causar ainda mais a separação dos centros de formação humana com a sociedade. Porém, o que mais entristece é perceber que a sociedade está tão congelada para com a importância da ciência, que isso parece ser algo trivial. Mas não é! Quando uma sociedade aceita esses absurdos, ela assina embaixo para o mais baixo nível humano. Assim, o trabalho para desconstruir falsas informações levam um prejuízo incalculável.

Por exemplo: apesar de o presidente do Brasil dizer que as pesquisas feita no país não acontecem nas universidades públicas, é importante a sociedade saber que a produção científica brasileira vem quase exclusivamente das universidades públicas, com mais de 95% do conhecimento cientifico, de acordo com dados da Academia Brasileira de Ciências, publicados em 2019.

Já sobre o que disse o ex-ministro da educação em relação à plantação de maconha nas universidades, postando inclusive vídeos em suas redes sociais, a investigação mostrou que a plantação de maconha que ele citou não estava em áreas de universidades. Mas, até que essas informações fossem desmistificadas, o afastamento social com a universidade aumentou ainda mais.

Na contramão, muitos buscam levar informações de forma simples e acessíveis para que as pessoas compreendem o como é lindo o conhecimento científico e o que isso pode gerar. Neste momento de pandemia, em que o mundo "parou" enquanto aguarda uma vacina eficiente e segura contra o novo coronavírus, surgiu também a oportunidade de aproximar os bastidores do desenvolvimento científico com as pessoas.

Um excelente exemplo surgiu da ONU (Organização das Nações Unidas) com a Equipe Halo (Team Halo, em inglês), que objetiva alcançar o público jovem e conscientizar sobre a importância da ciência e da informação segura, desta forma, levando uma aproximação da sociedade com o mundo da ciência. Para isso, o projeto buscou cientistas de vários países que estão na corrida pelo fim da pandemia e falam sobre suas pesquisas em perfis no Tik Tok. A ação global conta já com profissionais de instituições como USP, UFRJ, Harvard, Imperial College London e Wits University.

No Brasil, eu sou um dos membros da Equipe Halo e tento mostrar no perfil do Tik Tok @gustavocienciacabral um pouco do trabalho que tenho desenvolvido com a equipe que lidero em busca de uma vacina contra a covid-19. Além de mim, temos, até agora, mais cinco guias convidados aqui no país Dr. André Báfica (@andre.bafica.science), Dra. Jaqueline Goes (@drajaquelinegoes), Dra. Natalia Pasternak (@nataliapasternakscience), Rômulo Nerir (@oromulismo) e Wasim Syed (@wasimvacinas).

Embora essas ações possam gerar muitos resultados positivos, sem o engajamento social o resultado não se torna perene. Desta forma, vale a pena ressaltar exemplos do quanto a popularização da ciência pode ser importante para a vida, desde estratégias de saúde, meio ambiente e econômica, claro.

ciencia - iStock - iStock
Imagem: iStock

Sendo assim, vamos falar das belezas que o Brasil tem e que faz deste país uma nação com enorme potencial científico e tecnológico. Primeiramente, precisamos falar da enorme capacidade humana intelectual que nós temos. Seria injusto citar nomes, pois nesta página não caberiam todos os pesquisadores e pesquisadoras do mais alto padrão que são respeitados intelectualmente interna e externamente ao Brasil. Mas vale ressaltar que somos muito respeitados pela produção intelectual que temos.

Além disso, temos institutos de pesquisa que desenvolvem trabalhos científicos para além dos padrões comuns da ciência mundial. Como exemplo, a Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz), uma instituição secular genuinamente brasileira que tem contribuído para saúde pública brasileira com descobertas científicas, produção de vacinas e medicamentos etc. A Fiocruz vem transformando as nossas vidas por gerações. Sim, estou falando de gerações, pois foi devido ao combate ferrenho contra a peste bubônica que ela nasceu em 1900, com a produção de soros contra esse mal. Mas não se resumiu a isso, que já foi muito, pois poucos anos depois, em 1903, o pesquisador Oswaldo Cruz (nome hoje da Fundação) foi nomeado Diretor Geral de Saúde Pública e avançou com campanhas de saneamento no Rio de Janeiro no combate à febre amarela, peste bubônica, varíola e outras doenças. Esse seu trabalho levou à erradicação da febre amarela no Rio de Janeiro em 1907. Poucos anos depois, em 1910, Oswaldo Cruz e outros brilhantes cientistas foram à Amazônia a fim de erradicar a malária, onde não obtiveram êxito, porém, conseguiram eliminar a febre amarela no Pará.

Esse princípio glorioso, embora conturbado, pois foi também o período da chamada "revolta da vacina", deu um pontapé para que a Fiocruz expandisse nacionalmente, colaborando para a estabilidade social que obtivemos, embora não a percebamos claramente. Quando as pessoas tomam o sal híbrido Mefas, para combate à malária, talvez não saibam que foi a Fundação que o desenvolveu, assim como criou a vacina contra a fascioloses, o diagnóstico da tuberculose, o método que permite a confirmação do diagnóstico do HIV em cerca 20 minutos, entre outras façanhas. Em 2006, a Fiocruz recebeu nada menos que o Prêmio Mundial de Excelência em Saúde Pública, concedido pela Federação Mundial de Associações de Saúde Pública.

Com tudo isso que mostrei, fica um pouco mais claro que a Fiocruz comemora 120 anos de contribuições científicas nas áreas da ciência da saúde e, como podemos esperar, está à frente contra essa pandemia provocada pelo novo coronavírus, que tem aterrorizado o mundo.

E não pense que a ciência do Brasil se resume a Fiocruz. Embora ela seja uma de nossas pérolas, não é única. Quem não conhece o Instituto Butantan? Basta dar um simples "google" que aparecerá uma quantidade enorme de informações sobre esse instituto e sua contribuição para a saúde pública brasileira —que também está sempre à frente quando precisamos, como agora no combate ao coronavírus.

Temos outros institutos de pesquisa respeitabilíssimos e universidades públicas do mais alto padrão que ultrapassam a fronteira da saúde pública. Posso citar rapidamente a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), com o grande trabalho de desenvolvimento tecnológico que favorece aos produtores nacionais produzirem mais com menos gastos e menor utilização de espaço, contribuindo assim com o meio ambiente e economicamente. Enfim, podendo servir para a vida além da humana.

Mas como temos tantas riquezas e ainda padecemos tanto?

Provavelmente pela falta de aproximação social com esses desenvolvimentos científicos e tecnológicos. Isso, consequentemente, torna toda a estrutura humana e cientifica frágil. Dessa forma, em qualquer instabilidade política que o Brasil sofra, os pontos que são afetados são aqueles que a população não "dá importância", como a ciência, os universos do conhecimento acadêmico. Por fim, a popularização do desenvolvimento científico e interação social com a ciência vão fazer com o Brasil seja uma potência social e financeiramente, tendo como eixo central a ciência.