Topo

Gustavo Cabral

Vacina da Pfizer: o que representa esse resultado de 90% de proteção?

iStock
Imagem: iStock

Colunista do VivaBem

09/11/2020 15h04

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Nesta segunda (09), a empresa americana Pfizer anunciou que sua vacina experimental contra a covid-19 mostrou ter 90% de eficácia, notícia que animou muita gente. Antes de qualquer coisa, vale ressaltar que esses resultados divulgados pelo laboratório alemão BioNTech, que se associou à Pfizer, são avanços significativos para termos uma vacina licenciada para uso humano em "breve". Porém, por serem resultados prévios, o breve não pode ter data definida.

Vamos entender um pouco desta imunização e seus mecanismos. Ela é uma das famosas vacinas que usa mRNA (RNA mensageiro) —que tem sido amplamente envolvida em fake news que dizem que a vacina altera o DNA humano. De maneira simples, isso é fácil de desmistificar e eu explico os motivos de um jeito que qualquer consegue entender em um vídeo que publiquei em meu TikTok (veja abaixo), que faz do grupo Halo, um projeto da ONU (Organização das Nações Unidas) com o objetivo de alcançar o público jovem e conscientizar sobre a importância da ciência e da informação segura.

Mas vamos voltar à vacina Pfizer/BioNTech. Antes de responder o que significa esse resultado de 90% de eficácia, é preciso compreender alguns pontos.

A tecnologia que usa mRNA (adotada também na imunização da Moderna em teste contra covid) não está presente em nenhuma vacina licenciada para uso humano. Dessa forma, ela necessita de olhares técnicos mais precisos antes de ser liberada para utilização em larga escala, em especial para observar seus efeitos colaterais em longo prazo --quando usamos uma tecnologia que já foi usada em vacinas para outras doenças, sabemos disso, pois há um acompanhamento em larga escala da população. Ou seja, os testes continuam mesmo após licenciamento de uma vacina.

Os testes com mRNA não são novos. Os primeiros artigos científicos publicados sobre essa estratégia surgiram no início da década de 1990, mostrando um uso bem-sucedido de mRNA in vitro (fora do corpo vivo), assim como em alguns testes com animais. No entanto, esses primeiros resultados, apesar de serem promissores, não tiveram grandes investimentos e nem continuidade significativa, principalmente devido à dificuldade de construir o mRNA estável, assim como, de entregá-lo de forma eficiente às células do ser vivo, pois se não chegar dentro das células, esses mRNAs são facilmente degradados por produtos do corpo, que chamamos de RNAses.

Mas, com o desenvolvimento científico, essas dificuldades foram sendo ultrapassadas e hoje há um enorme investimento para produzir vacinas usando essas estratégias. Basicamente, hoje em dia, o mRNA que contém uma parte do agente de um vírus, por exemplo, o gene que codifica a proteína Spike do SARS-CoV-2 (a coroa que recobre o vírus e o ajuda a entrar na célula) pode ser injetado normalmente no corpo, contanto que esteja protegido com um tipo de envelope e "carregadores" para levar essa mensagem até a célula. Esses carreadores são dos mais diversos, mas os mais utilizados são partículas de lipídios (gordura). Dessa forma, basta injetar com uma seringa essa vacina no músculo e a possibilidade de ela funcionar é considerável.

Porém, como dito, o mRNA é uma molécula frágil que necessita de diversos cuidados. Por exemplo: deve ter proteção contra a luz e, principalmente, o calor, precisando assim ser mantidas em temperatura de -20 °C ou até -80 °C. Para uso em larga escala, isso não é trivial, pois imagine essa vacina chegando em cidades pequenas e com estruturas de armazenamento desfavorável, como acontece em diversos municípios do interior do Brasil.

O que representa o resultado da vacina da Pfizer?

Não são só as dificuldades que expliquei sobre produzir e distribuir uma vacina com mRNA que merecem atenção. Os resultados divulgados hoje também devem ser analisados com calma.

A vacina da Pfizer/BioNTech está sendo testada em seis países e suas pesquisas contam com mais de 40 mil voluntários. No entanto, por mais que essa proteção de 90% seja um resultado inicial muito bom, ela foi obtida em um teste com apenas 94 voluntários. Ou seja, é um número pequeno de pessoas que recebeu a imunização e não desenvolveu a doença, que não pode garantir com precisão a eficácia do estudo que está sendo realizado. Isso porque o nível de proteção desta vacina pode sofrer alterações quando obtivermos os dados completos e fizermos uma análise mais precisa.

Esses resultados preliminares não podem ser usados para começar qualquer tipo de campanha de vacinação —por isso, estipular qualquer data de quando teremos a vacina torna os resultados um jogo político-empresarial.

Outros fatores muito importantes que ainda precisam ser divulgados estão vinculados à durabilidade de proteção que essa vacina consegue fornecer. Qual o tempo? Seis meses? Um ano ou mais de proteção? Sabemos que a vacina precisa de duas doses, com intervalo de três semanas entre a primeira e a segunda dose para fornecer essa proteção supracitada. Mas e o posterior? Quanto tempo o corpo consegue ficar imune? Essa vacina é capaz de gerar memória imunológica? Não apenas para produzir anticorpos, mas para estimular outros componentes do sistema imune, como as chamadas células T, que têm se mostrado muito importantes para combater o coronavírus. Precisamos dessas informações por se tratar de uma vacina que pode proteger bilhões de pessoas.