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Elânia Francisca

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

A caixinha de tira-dúvidas: os limites de uma educadora em sexualidade

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

26/08/2022 04h00

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Em 2018, uma colega de profissão me enviou uma mensagem dizendo que precisava conversar sobre uma atividade de educação em sexualidade que havia realizado na escola em que trabalhava. Para situá-la geograficamente, essa atividade aconteceu numa escola pública da cidade de São Paulo.

Em seu áudio, minha colega estava com a voz ofegante e trêmula. Ela falava rápido e usava expressões de indignação, como: "Não acredito nisso, que desrespeito! Amiga, eu sou uma senhora!". Na mensagem, de aproximadamente três minutos, ela narrou que havia se sentido muito desrespeitada pelos adolescentes e que estava pensando em formas de aplicar alguma medida para aquela atitude da turma, afinal, segundo ela, eles precisavam aprender sobre limites.

Ela me pedia ajuda para pensar numa responsabilização que fosse mais adequada, ela não queria ser injusta ou dura demais, por isso pedia minha ajuda para organizar as ideias.

Enviei uma mensagem para ela, agendando nossa conversa para o inicio da noite naquela mesma data.

Eu sou uma daquelas pessoas que sempre vai defender a ideia de que não devemos tomar decisões grandes enquanto estamos inflamadas por sentimentos maiores ainda, mas também sei que tem coisas que precisam ser ditas e ouvidas no instante em que acontecem. A grande dificuldade está em desenvolver a capacidade para diferenciar um momento em que a resposta precisa ser dada na hora, do momento em que a resposta precisa de tempo para acontecer.

Marquei a conversa com minha colega para aquele mesmo dia porque temia que no dia seguinte ela já levasse uma resposta para a turma tomada pela emoção daquele instante.

À noite, nós duas estávamos conectadas numa plataforma de reuniões online e ela pôde me explicar o que havia acontecido.

Naquela época, e escola tinha um projeto de prevenção às violências sexuais contra crianças e adolescentes e uma das atividades planejadas era um plantão de tira-dúvidas sobre sexualidade saudável. Minha colega achou importante informar às turmas que poderiam fazer qualquer tipo de pergunta e que não haveria julgamento ou punição pelas perguntas feitas, afinal era preciso conversar sobre o tema abertamente.

Ela conta que um adolescente chegou a perguntar o que ele deveria fazer caso não soubesse o termo técnico para algumas partes do corpo, então ela orientou: "Escreva do seu jeito".

Toda a turma elaborou perguntas e depositou numa caixinha que foi aberta depois de alguns minutos para o início do tira-dúvidas.

Nos papéis estavam perguntas que minha colega considerou muito explicitas e com palavras que ela adjetivou como sendo de baixo calão. Ela leu as perguntas para mim e, de fato, as palavras utilizadas eram termos informais, com alguns palavrões que faziam menção às genitálias, mas com exceção disso, as perguntas eram realmente boas e importantes.

Um dos papeizinhos perguntava se sexo oral engravidava, outra era sobre masturbação e como higienizar a cama após a polução noturna.

O que incomodou minha colega foram as palavras utilizadas, mas será que ela deveria responsabilizar o grupo por algo que ela mesma sugeriu? Ainda mais a turma sendo orientada a usar as palavras que quisessem?

Como educadoras, precisamos estar atentas aos nossos próprios limites. Não precisamos falar gírias ou cumprimentar adolescentes com toques que não fazem parte do nosso jeito de cumprimentar só para ter o respeito e a atenção do grupo. Também precisamos nos atentar se estamos preparadas para as perguntas que virão quando sugerimos que falem livremente sobre um assunto.

Com minha colega, eu disse que se ela não se sentia preparada para algumas perguntas ou palavras, era melhor ter se preparado primeiro e que não dava para responsabilizar o grupo por algo que ela mesma orientou.

O que era possível fazer naquela situação era contar ao grupo que as perguntas a fizeram refletir que era preciso construir sinônimos e aprender os termos corretos para se referir a algumas questões da sexualidade, afinal algumas palavras podem constranger as pessoas. Nossas genitálias têm "apelidos", mas também possuem nomes mais formais. Vulva e pênis são nomes mais formais, enquanto "pepeca e pinto" estão no campo da informalidade.

No final das contas, minha colega, muito esperta e criativa, criou um mural de sinônimos com três colunas: na primeira, ela colocou as palavras que os grupos escreveram, na segunda colocou os termos técnicos e na terceira respondeu as perguntas.

Pedi a ela permissão para contar essa história e toda vez que estou em atividade com pessoas adultas, eu recordo esse momento de aprendizado que a turma daquela escola proporcionou a ela e a mim.