Topo

Elânia Francisca

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

As barreiras geradas pelo tabu da sexualidade

iStock
Imagem: iStock

Colunista do UOL

29/07/2022 04h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Vou lhes contar uma história. Quando eu tinha mais ou menos 10 anos, perguntei ao meu pai:

— Ô pai, o que é gozar?

Eu juro que quando perguntei, não sabia que aquela palavra era tão poderosa para pessoas adultas.

Nessa ocasião, quando eu fiz a pergunta, meu pai e eu estávamos sentados à mesa da cozinha. Meu pai tinha me pedido ajuda para organizar uns documentos pessoais dele. Os papéis estavam espalhados: RG, CIC (que hoje chamamos de CPF), um monte de contas e holerites e a carteira de trabalho.

Eu gostava de ficar lendo todos os documentos para encontrar palavras difíceis e aprender o significado delas. Eu lia e perguntava para o meu pai. O que ele sabia, respondia na hora. O que não sabia, ele dizia que ia descobrir e ficava com o compromisso de me contar depois.

Eu sempre admirei meu pai e o achava a pessoa mais inteligente do mundo.

Foi nesse cenário que eu li algo na carteira de trabalho do meu pai: "Gozou férias relativas ao período de...". Eu nem tirei o olho do papel, só levantei a mão e perguntei:

— Ô pai, o que é gozar?

Ele arregalou os olhos, me segurou pelo braço e gritou algo do tipo:

— Quem andou te ensinando isso, moleca?

A voz parecia um trovão e, diante daquela tempestade, eu fiquei parada, com medo, sem entender nada. Ele perguntou novamente:

— Quem andou te ensinando isso?

Eu, tremendo, segurei a carteira de trabalho dele e li: "Gozou férias relativas ao período de...".

Ele soltou meu braço aos poucos, os olhos foram desarregalando e ele foi para o quintal.

À noite, antes de dormir, ele beijou minha testa (como sempre fez) e disse:

— Amanhã o pai pergunta lá no RH.

Até hoje ele não trouxe a resposta.

Eu recordo essa história e fico pensando no que deve ter passado pela cabeça do meu pai para ficar tão bravo diante de uma pergunta que nada tinha a ver com sexo ou sexualidade.

O que fez meu pai se arrepiar diante da minha pergunta foi o fato de ele atribuir a palavra gozar a um contexto sexual.

Você já deve ter escutado aquela história em que a criança pergunta ao pai:

— Pai, o que é sexo?

O pai fica desconsertado e tenta explicar, por quase uma hora, o que seria um ato sexual. Até que a criança se cansa da conversa e diz:

— Então, pai, é que aqui na ficha da escola está escrito sexo feminino, masculino ou outro.

O tabu relacionado à sexualidade impede qualquer possibilidade de diálogo saudável entre adolescentes, crianças e familiares, mesmo que, muitas vezes, o assunto nem seja esse.