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Elânia Francisca

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

A escuta como exercício de acolhimento do sofrimento de adolescentes

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

31/12/2021 04h00

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Para iniciar nossa reflexão, precisamos delimitar qual é o período da vida em que ocorre a adolescência. Aqui no Brasil temos como base legal o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), que nos diz que a adolescência ocorre entre os 12 e os 18 anos de idade.

Também é importante destacar que antes da adolescência, ainda na infância, há um processo de intensas mudanças fisiológicas, psicológicas e comportamentais, chamado de puberdade.

A puberdade, que provoca, por exemplo, o surgimento de pelos, estirão, mudança de cheiro e humor, acontece entre os 8 e 14 anos de idade e, muitas vezes, é tratada como sinônimo de adolescência, mas é importante frisar que adolescência e puberdade, embora coexistam num determinado período da vida, não se tratam da mesma coisa.

A puberdade acontece em todos os corpos, já a adolescência é uma construção da cultura, dessa forma, o modo como ela é vivida e as expectativas geradas mudam de acordo com a região do mundo em que estamos inseridos. Existem culturas em que a adolescência sequer existe enquanto fase do desenvolvimento humano.

Em nossa sociedade, a adolescência é uma fase muito estigmatizada. Há um livro curto do Contardo Calligaris chamado Adolescência, em que ele fala sobre os conflitos vivenciados nesse período da vida, em que ora a pessoa é tratada como nova demais para determinados assuntos, ora já está bem grandinha para se comportar de determinado modo.

A adolescência, por vezes, é definida como a ponte entre a infância e a idade adulta. Sendo ponte, essa fase é sentida como um não-lugar, um espaço de passagem que precisamos aturar, mas não necessariamente compreender e acolher. O termo "aborrescência" já nos dá um indicativo de como a adolescência nos incomoda socialmente.

Diante desse incômodo, algumas pessoas adultas decidem se debruçar em reflexões e exercícios sobre o universo adolescente que podem ser bem desafiadores. Outros adultos, por vezes, inconscientemente, criam uma barreira de diálogo e aprendizado com pessoas dessa faixa etária e se comportam como se o universo adolescente não produzisse nenhum saber ou desejo que merecesse reconhecimento.

É importante destacar que o fato de uma pessoa adulta se mostrar aberta ao aprendizado sobre adolescência não necessariamente significará que o acolhimento a pessoas nessa fase da vida ocorrerá, principalmente quando se trata de alguma queixa de adolescentes em que o adulto em questão é o gerador de fragilidades emocionais.

Não são raros os casos em que pessoas adultas dizem estar dispostas a escutar alguma demanda de adolescentes, mas durante a conversa assumem a postura de autodefesa, como se o conteúdo trazido por adolescentes se tratasse de uma acusação, e não de um relato de dor emocional.

Frases como "eu te dou tudo na mão e você ainda reclama", "eu devo ser um monstro pelo modo como você me descreve" ou "queria ver o que você faria se eu não existisse" são relatadas por adolescentes como um dificultador de diálogo com seus pais.

A música Perfect, da banda Simple Plan, traz um trecho que ilustra a tentativa de um adolescente em contar ao pai sobre suas angustias:

"Ei, pai, olhe para mim
Pense de novo e converse comigo
Eu cresci de acordo com seus planos?
Você acha que eu estou perdendo meu tempo
Fazendo as coisas que eu quero fazer?
Mas dói quando você desaprova tudo
E agora eu dou duro para ser bem-sucedido
Eu só quero te deixar orgulhoso
Eu nunca vou ser bom o bastante para você
Eu não posso fingir que eu estou bem
E você não pode me mudar
Porque nós perdemos tudo que temos
Nada dura pra sempre
Desculpe-me
Eu não posso ser perfeito"

(Tradução de trecho da música Perfect, Simple Plan)

É difícil receber críticas de alguém que, até ontem, caminhava em direção ao seu colo e pedia abrigo, mas é importante fazer o exercício de deixar o ego de lado e escutar quando adolescentes nos procuram para relatar de incômodos na convivência conosco.

É fundamental entendermos que, quando adolescentes estão descrevendo suas dores, não estão necessariamente julgando o comportamento de alguém, mas trazendo seus olhares e sentimentos sobre essa relação.