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Elânia Francisca

Menstruação: um assunto para todo mundo

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

11/12/2020 04h00

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Quando eu era criança, periodicamente via minha mãe rasgando camisetas velhas e dobrando em pequenos paninhos. Ela os levava para o banheiro e dizia que eram paninhos para o Chico.

Eu já tinha escutado minha avó paterna falar desse tal de Chico e uma vez até perguntei: "Quem é Chico, vó?". Ela arregalou o olhão, ficou muito brava e gritou: "Me respeita, sua moleca!". E nada de eu saber quem era o tal do Chico.

Foi lá pelos 10 anos de idade que eu aprendi que ele era o sangue menstrual. E foi só aos 36 que descobri que a palavra Chico é referente ao porco. Chamamos a menstruação por esse nome por acreditarmos que o sangue menstrual seja algo sujo como um chiqueiro de porcos.

Eu sou psicóloga e educadora nos temas de sexualidade infanto-juvenil e sempre que possível abordo o tema da menstruação com o público adolescente (independentemente de serem meninas, meninos ou menines*). Acredito na importância de falar sobre menstruação com todo mundo, afinal você não precisa ser um corpo menstruante para aprender sobre os ciclos menstruais e sobre as condições de vida das pessoas que menstruam.

Mas por que minha mãe rasgava camisetas para fazer os paninhos do Chico ao invés de comprar absorventes descartáveis? Pois é, minha mãe usava os paninhos porque nossa família não tinha dinheiro para comprar absorventes no mercado. No início dos anos 1990 não havia coletor menstrual nem se falava sobre o uso absorvente de pano. Minha mãe usava pano por questões financeiras e eu demorei a entender que aquilo se tratava de algo que chamamos de pobreza ou precariedade menstrual.

Minha mãe menstruou pela primeira vez aos 15 anos e hoje, 40 anos depois, ainda estamos num contexto em que muitas meninas pobres não têm acesso aos recursos básicos para coletar seu sangue menstrual, e seguem usando os paninhos feitos de camisetas velhas.

Nos banheiros de muitas escolas, boa parte das vezes não há papel higiênico e isso dificulta o uso do sanitário durante os períodos menstruais. E se em casa levantar esse assunto gera constrangimento, imagina levantar o dedo e trazer a pauta para discussão em sala de aula?

A minha menarca (primeira menstruação) aconteceu aos 12 anos de idade, mas a segunda vez que menstruei foi aos 13 (um ano depois). Minha mãe disse que era normal e que com o passar do tempo eu menstruaria todo mês, como ela.

Embora eu tivesse menstruado em 1992, minha primeira consulta ginecológica aconteceu somente em 1999. Isso porque minha mãe acreditava que a primeira consulta deveria acontecer somente depois da primeira relação sexual ou depois dos 18 anos.

Mas, o que meu pai pensava sobre isso? Eu não sei, aliás, eu nunca soube! Falar sobre menstruação com os homens da minha família era proibidíssimo, quase um pecado. O Chico era assunto de mulher e quanto menos os homens soubessem, melhor.

Foi só depois que me tornei educadora na temática de sexualidade que compreendi que a educação nessa área promove o acesso à informação sobre muita coisa, inclusive sobre menstruação —e isso independe de você ser uma pessoa menstruante ou não.

A informação sobre sexualidade faz parte do conjunto de direitos sexuais e reprodutivos e quanto mais defendermos a educação em sexualidade, mais estaremos promovendo a intimidade e afeto com nossa própria corporeidade, e mais respeitaremos a corporeidade de quem convive conosco.

*A linguagem neutra, ou linguagem não binária, propõe uma modificação na língua portuguesa para incluir pessoas trans não binárias, intersexo e as que não se identificam com os gêneros feminino e masculino.