Edmo Atique Gabriel

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Opinião

Consumo de glúten e risco de infarto do coração: associação faz sentido?

Nos últimos 20 a 30 anos, muitos estudos têm focado numa possível associação entre o consumo de glúten e a presença de doença coronariana obstrutiva.

O glúten provém do trigo e pode, em algumas pessoas, provocar um processo inflamatório e mudanças na função de alguns órgãos. Existem pessoas que não têm tolerância ao glúten, uma condição conhecida como doença celíaca. Também existem os que, apesar de não apresentarem critérios claros para doença celíaca, podem conviver com alguns sintomas indesejáveis após a ingestão de alimentos com trigo.

A doença coronariana obstrutiva é um caminho rápido para a ocorrência de um infarto do coração. O entupimento de artérias com placas de gordura pode ser fatal e levar ao infarto pessoas de diversas idades. Os principais fatores que colaboram para formação dessas placas de gorduras são tabagismo, etilismo, diabetes, obesidade, hipertensão arterial e alimentação rica em gorduras e açúcares.

Uma das razões principais para se especular uma possível associação entre consumo de glúten e doença coronariana é muito controversa. A ideia seria que as pessoas com doença celíaca, por apresentaram uma inflamação sistêmica, costumam ter uma disciplina maior no controle da pressão arterial e também evitariam fumar. Assim sendo, o entupimento de artérias e a ocorrência de um infarto do coração estariam supostamente relacionados com os efeitos inflamatórios do glúten.

Além disso, o que se questiona seria se a quantidade de açúcar presente em alimentos ricos em glúten poderia favorecer ou agravar o diabetes e este, por sua vez, impactaria na formação de uma quantidade maior de placas de gordura, no interior das artérias.

Outra grande polêmica relacionada a esse assunto é se a forma de consumo do glúten —em grãos ou na forma de farinha— poderia interferir numa resposta inflamatória maior e, consequentemente, induzir um risco maior para o entupimento das artérias.

Os estudos que analisaram o maior número de pessoas com doença celíaca ou mesmo sem, mas muito sintomáticas após a ingestão de trigo, demonstraram resultados que enfraquecem a tese sobre o papel do glúten no desenvolvimento de doença coronariana obstrutiva.

Nas pessoas que consumiam trigo na forma de grãos, notou-se diminuição das taxas de doença coronariana e de infarto do coração. Nas pessoas que consumiam o trigo na forma refinada, como a farinha de trigo, não houve associação clara com um maior risco de doença coronariana e infarto do coração.

Em outras palavras, quando os pesquisadores dividiram os participantes em grupos com base na quantidade de glúten que comiam, eles descobriram que aqueles que comiam mais glúten em grãos não tinham maior risco de ataque cardíaco do que aqueles que comiam menos.

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Os pesquisadores também descobriram que a ingestão de glúten, na verdade, inicialmente pareceu estar ligada a um menor risco de ataque cardíaco. Mas essa ligação não era devido ao consumo de glúten em si; em vez disso, era devido ao consumo de grãos integrais associados à ingestão de glúten.

Na prática, considerando os principais estudos, podemos afirmar que não há evidências de que uma dieta restritiva em glúten reduziria as taxas de entupimento das artérias. Isso significa que a restrição do glúten pode, por um lado, atenuar sintomas inflamatórios e complicações da doença celíaca, mas, por outro lado, não consegue mudar a história natural da doença coronariana obstrutiva.

Como forma de prevenção da doença coronariana obstrutiva e do próprio infarto do coração, ainda prevalecem fatores como a hipertensão arterial, diabetes, tabagismo e alimentação gordurosa.

O papel do glúten continua ligado a uma inflamação sistêmica, sem uma comprovação clara quanto ao impacto na saúde cardiovascular. Sendo assim, deixar de comer trigo ou produtos que contenham trigo não seria uma medida efetiva na prevenção do infarto do coração.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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