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Dante Senra

Fique atento ao seu coração na pandemia: com ou sem vírus

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

29/08/2020 04h00

Sempre digo que viver é como estar no ringue com o Mike Tyson em seus anos de ouro (1985-91). A qualquer momento, se baixar a guarda, o cruzado será desferido e, invariavelmente virá. Se estivermos em um dia de sorte, o estrago terá que ser administrado por cirurgiões bastante competentes.

Todos também já ouviram falar que a possibilidade de o motorista se envolver em um acidente de trânsito é bem maior depois que ele dirige um longo trecho e, quando já está próximo de sua casa, ao relaxar, baixa o nível de atenção (só para lembrar, em termos absolutos, o Brasil é 4º país do mundo com maior número de mortes no trânsito, ficando atrás somente da China, Índia e Nigéria).

Tudo isso para dizer que a necessidade de manter a vigilância é fundamental em todas as situações e sobretudo nas mais críticas.

Mas é compreensível que depois de cinco meses de uma pandemia, que destruiu nosso equilíbrio emocional, se é que o tínhamos, é muito difícil não baixar a guarda.

Assim, novas ondas de contaminados, também por este motivo, são esperadas, e isso já vem ocorrendo em alguns países que nos precederam nesse difícil momento da humanidade.

Doenças dos não-contaminados

Como se não bastasse, imagina-se que a terceira onda será dos pacientes que chegam graves nos hospitais simplesmente por que paradoxalmente estavam preocupados demais com a pandemia para cuidar da saúde.

Assim, comeram e beberam demais, sob forte estresse, e por não irem aos hospitais com medo de contaminação, não realizaram seus exames médicos de rotina ou sequer frequentaram seus médicos.

O sistema cardiovascular foi um dos mais afetados por este comportamento.

O aumento de mortes em domicílio por AVC, infarto e outras doenças cardiovasculares foi de mais de 30%, em relação ao mesmo período do ano passado. Em 2019, entre os meses de março e maio, foram 11.990 mortes por doenças cardíacas. Neste ano, foram 15.847 óbitos. É o que indica os números apresentados pela SBC (Sociedade Brasileira de Cardiologia) e pela Arpen (Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Brasil).

Coração nos contaminados

O novo coronavírus (que já não tem nada de novo depois de meses) também pode ter ação direta sobre o coração.

Em recente estudo publicado no periódico JAMA (Journal of the American Medical Association) Cardiology, demonstrou-se que em 39 pacientes submetidos a necropsia, a presença do vírus no coração aparece em 60% dos casos.

Outro estudo na mesma revista realizou ressonância magnética em 100 pacientes recuperados de covid-19 e demonstrou que em 78% houve uma inflamação diagnosticada por esse método, mesmo dois meses após a recuperação.

O editorial da revista ressalta a importância da atenção dos médicos para esse comprometimento da doença, visto que além das complicações agudas, como tromboses e vasculites produzindo isquemias e infartos, sequelas como arritmias e insuficiência do músculo do coração podem aparecer.

Várias teorias tentam explicar este fato, como a de que o coração seria vítima de um processo inflamatório sistêmico, agravado por uma hiper ativação do sistema imunológico. Entretanto, o mais provável seria o grande número de receptores que funcionariam como fechaduras neste órgão para a chamada enzima conversora de angiotensina. O vírus utiliza essas fechaduras para que através de suas espículas (spikes) entre nas células para se multiplicar.

Claro está também que indivíduos com problemas cardiológicos prévios são mais afetados, mas a ausência de problemas anteriores neste órgão não exclui a possibilidade de acometimento.

Fato é que a presença de inflamação prolongada no coração nos traz a obrigatoriedade de acompanhamento destes pacientes que já saíram da fase aguda e estão supostamente curados.

A conclusão é que exames gerais, se você foi acometido pelo coronavírus, ainda que esteja se sentindo bem, são bem-vindos, pois somente eles poderão dizer se seu coração foi atingido apenas metaforicamente.