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'Eu odeio homens': escritora francesa é ameaçada de censura, mas vira sucesso de vendas

"Moi les hommes, je les déteste" (Eu odeio os homens, em tradução livre), da escritora francesa Pauline Harmange - Reprodução/Monstrograph.com
"Moi les hommes, je les déteste" (Eu odeio os homens, em tradução livre), da escritora francesa Pauline Harmange Imagem: Reprodução/Monstrograph.com

10/09/2020 14h20

A francesa Pauline Harmange tem 25 anos, é blogueira, feminista, vegetariana e "fortemente comprometida por um mundo melhor", segundo suas próprias palavras. Gosta de gatos, de livros e de chá. Até aí, uma millennial comum. Mas Pauline, que acabou de lançar o seu primeiro livro, foi ameaçada de processo por incitação ao ódio por um funcionário do governo francês. O nome do livro? "Moi les hommes, je les déteste" (Eu odeio os homens, em tradução livre).

Ao ver uma publicação que citava o livro de Pauline, lançado no final de agosto, Ralph Zurmély, assessor no Ministério da Igualdade entre Mulheres e Homens na França, escreveu um e-mail aos editores ameaçando entrar com um processo, segundo o casal de escritores Martin Page e Coline Pierré, da editora Monstrograph.

Na mensagem intimidadora, Zurmély pedia também que retirassem imediatamente o livro do catálogo.

"Nós ficamos estarrecidos com a ameaça deste funcionário, ainda mais vindo deste ministério. É o cúmulo! Mas logo contatamos advogados e tivemos apoio de associações ligadas à Liberdade de Criação e aos Direitos Humanos", afirma Coline Pierré.

O resultado da tentativa de censura foi o inverso. A tiragem inicial de 450 exemplares, que Pauline esperava vender entre os leitores de seu blog, não deu conta da demanda. A editora teve de imprimir às pressas mais de 2.000 novos livros, já vendidos, e recebe uma nova onda de pedidos que, por ora, não poderão ser atendidos.

"Nossa editora é pequena, somos nós que fazemos tudo, então estamos negociando com uma editora maior para a republicação do livro de Pauline Harmange, que deve sair pela nova editora - ainda não podemos anunciar o nome - daqui a um mês", explica Martin Page, que tem, ele mesmo, livros traduzidos para o português do Brasil.

"É ridículo um homem se sentir atingido pela misandria"

A ideia de publicar o livro, assim como a do título provocativo (que foi retirado do próprio ensaio de Pauline) foi de Martin Page. "Eu seguia Pauline no Twitter e li um texto muito bom que ela escreveu sobre a misandria (ódio aos homens). Entrei em contato e propus que ela desenvolvesse o tema em um livro. Ela aceitou e escreveu este livro", conta o editor.

Page diz que, como homem, não se sente de forma alguma afetado pela misandria: "A misandria não ataca a minha segurança, não me coloca em perigo. Sejamos razoáveis: é ridículo um homem se sentir atingido pela misandria".

"A misandria é uma resposta à misoginia", diz Coline, citando um trecho do livro de Pauline com o qual ela não podia concordar mais.

Os editores explicam que a Monstrograph é uma editora sem fins lucrativos que publica livros sobre assuntos que as grandes editoras se recusariam a publicar. "Queremos falar sobre temas estranhos, tabus, iconoclastas, que não encontram lugar em editoras comerciais", explicam. Eles se dizem felizes pelo livro de Pauline ser lançado agora por uma grande editora. "É este o nosso objetivo, que os nossos autores e os assuntos tratados por ele cheguem a mais gente", afirmam.

Ministério reage

Contatada pelo site francês Médiapart, a equipe de Elisabeth Moreno, a nova ministra da Igualdade entre Mulheres e Homens, afirmou que a ameaça de processo "é uma iniciativa pessoal e totalmente independente do ministério".

Por sua vez, Ralph Zurmély, em um e-mail enviado ao site de notícias, reafirmou sua posição: "Este livro é uma apologia à misandria e ao ódio aos homens como 'caminho alegre e emancipatório' (sic), que nada tem a ver com o princípio da igualdade entre mulheres e homens que defendemos e que não é nem mais nem menos que um delito".

Zurmély ameaça apelar ao Ministério Público caso a editora não retire o livro do catálogo, o que esta se recusa a fazer. "Em nenhum momento o autor incita à violência", explica Coline Pierré.

De acordo com o Observatório para a Liberdade de Criação, que denuncia uma abordagem "cega e absurda", Zurmély não está em seus direitos, pois não tem autoridade legal para solicitar a retirada de um livro da venda.

"A maioria dos homens são grandes idiotas"

Pauline Harmange, que mora em Lille, no norte da França, com seu marido (sim, ela conta em seu blog e também no livro que é casada com um homem) e seu gato, começa a colher os louros da fama súbita. Page conta também que o livro deve ser traduzido ainda este ano para o inglês e o italiano.

Em seu blog, Pauline relata que já lhe perguntaram várias vezes o que o seu marido pensa do livro e de seu título. "É engraçado porque você quase poderia pensar que me pediram para apresentar um documento que certifica que tenho a permissão de meu marido para ser misândrica e ousar afirmar isso. Seria a gota d'água! Mas, além do fato de que meu parceiro de vida não precisava validar o título do meu livro ou seu conteúdo, achei essas questões bastante reveladoras", escreve.

"Se o homem que está com você não acha que a maioria dos homens são grandes idiotas por causa da sociedade patriarcal, de sua educação e de sua preguiça de se autoquestionar... talvez ler meu livro vá fazer bem a ele. Desejo que todos nós, que ainda nos relacionamos com os homens, estejamos rodeadas de espécimes que tenham a humildade de reconhecer a sua participação no problema", conclui a escritora.