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'Certificados de virgindade' estão na mira do governo francês

França quer punir ginecologistas que fazem exames e emitem atestado de virgindade - iStock Images
França quer punir ginecologistas que fazem exames e emitem atestado de virgindade Imagem: iStock Images

Da RFI

09/09/2020 14h20

Na França, um projeto de lei contra o separatismo religioso quer impedir a prática de alguns médicos que emitem atestados que garantam a virgindade das mulheres antes do casamento. A iniciativa, no entanto, divide opiniões, ora em defesa dos direitos humanos e da ética médica, ora favoráveis à proteção das mulheres em condição de coação por suas famílias.

O projeto de lei recebe o apoio do ministro do Interior francês, Gérald Darmanin, e da ministra da Cidadania, Marlène Schiappa, que denunciam uníssonos a prática realizada por muitos médicos. "Eles serão proibidos e nós iniciaremos um processo penal contra o emissor do atestado, seja um médico, seja um familiar", enfatiza Schiappa.

Os "certificados de virgindade" são um dos temas centrais previstos no projeto de lei contra o separatismo religioso. Este tipo de atestado, concedido após o exame do hímen, que pode ser necessário, por exemplo, para a comprovação de um estupro, é frequentemente solicitado por algumas comunidades antes de um casamento religioso, embora se saiba que o hímen também possa se romper naturalmente ou pela prática de esforço físico.

Para a Organização Mundial da Saúde, "a realização destes exames nocivos e desnecessários, do ponto de vista médico, viola diversos direitos humanos e normas éticas, em particular, o princípio fundamental da medicina que consiste em 'não causar danos'".

Esta solicitação da "certificação da virgindade", no entanto, pode ser feita pelas próprias mulheres, sob coação do futuro marido ou da própria família, normalmente em comunidades católicas, muçulmanas ou judaicas muito religiosas. "É um ato religioso, seja qual for a religião", explica Isabelle Derrendinger, secretária-geral do Conselho Nacional da Ordem das Parteiras. É difícil avaliar a abrangência dessa prática, uma vez que os profissionais não relatam esse tipo de procedimento.

'Simbolicamente interessante'

Na opinião da ginecologista Amina Yamgnane, em entrevista ao diário 20 Minutes, o projeto de lei é "simbolicamente interessante" e vai proteger aqueles profissionais que se recusem a realizar o procedimento, que poderão argumentar que "a lei os proíbe", mas não será suficiente para fazer desaparecer essa prática: "O risco é que, em vez de ir ao médico, essas famílias procurem conhecidos a quem atribuirão a responsabilidade".

Muitos médicos acreditam que seria mais adequado e eficaz penalizar as famílias, porque o assunto é mais complexo do que parece ao ser gerenciado pelos profissionais de saúde. O fato é que, para muitos, a emissão deste certificado é também uma forma de proteger a mulher de possíveis represálias por parte da família.

A ginecologista Ghada Hatem, entrevistada pelo canal de televisão LCI, revela receber cerca de duas solicitações como esta por mês, e admite que concede o exame e o certificado quando percebe que sua paciente possa estar em perigo. "Sim, às vezes concedo atestados a mulheres que nem examinei. Se ela precisa de um papel que diga que é virgem para salvar sua vida, para não ser incomodada, eu faço. E explico a ela que sinto muito, que gostaria que ela não tivesse que passar por isso", relata a médica.

Hatem acredita que, acima de tudo, é preciso "ouvir as mulheres, incentivá-las a falar, educá-las e, às vezes, tentar protegê-las". Muitos profissionais de saúde também acreditam que medidas educativas são essenciais para que essas famílias entendam que não se deva estigmatizá-las. Uma educação sexual que pode ser feita pelas escolas ou pela mídia.