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Melhem constrangeu editora a nadar pelada com ele, aponta denúncia do MP

O humorista Marcius Melhem (Reprodução / Globo) - Reprodução / Internet
O humorista Marcius Melhem (Reprodução / Globo) Imagem: Reprodução / Internet

Juliana Dal Piva e Adriana Negreiros

09/08/2023 13h02

Em novembro de 2019, uma editora de imagens da TV Globo estava com a avó internada no hospital quando recebeu, pelo WhatsApp, a seguinte mensagem do então chefe, o diretor do núcleo de humor da emissora, Marcius Melhem.

"Bom dia! Depois de amanhã é dia de pagar aposta!", escreveu, finalizando a frase com um emoji de carinha feliz.

O pagamento da aposta a que ele se referia consistia em nadarem pelados, os dois, em um churrasco que ocorreria dali a dois dias.

"kkkk minha vó tá no cti, Marcius", ela respondeu, com um emoji de carinha chorando. "Existe uma mínima chance de não ir ao churrasco, mas tô rezando pra dar tudo certo e ela continuar estabilizada, aí estarei lá" - CTI é sigla para centro de tratamento intensivo.

"Pegar na cintura, cheirar o pescoço"

A reprodução da conversa entre chefe e subordinada e o relato da aposta constam da denúncia do Ministério Público do Rio de Janeiro feita na sexta-feira (4). Na terça-feira (8), a juíza Juliana Benevides Barros Araújo, da 20ª Vara Criminal do TJ-RJ, decidiu abrir um processo criminal e tornou o ex-diretor réu.

Ela e Marcius trabalharam juntos no programa "Isso a Globo não mostra" durante o ano de 2019, período no qual, segundo o MP, Melhem "praticou assédio sexual, constrangendo a vítima com comentários inapropriados sobre sua beleza e qualidades físicas, promovendo contato físico excessivo e proximidade desnecessária durante o curso do trabalho, fazendo comentários de cunho sexual e realizando contatos físicos inadequados, como pegar na cintura, cheirar o pescoço, abraços e carícias, em ostensivo assédio afetivo/sexual invasivo e unilateral, realizado como forma de expressão de sua lascívia".

Segundo o documento, Melhem valeu-se do desejo da profissional em mudar de área dentro da empresa para tentar "concretizar suas investidas sexuais". "Certo de que a vítima tinha interesse em migrar para a dramaturgia, o denunciado passou a colocar em evidência sua influência".

"Caçada sexual"

Pouco antes da cobrança para que os dois nadassem pelados em um churrasco, Melhem teria —de acordo com a denúncia do Ministério Público— armado uma situação para ficar a sós com a subordinada.

Isso teria ocorrido no dia 10 de outubro de 2019. Melhem, segundo a denúncia, marcou um encontro no restaurante do Projac (onde ficam os estúdios da TV Globo) com a editora e uma roteirista da emissora. O combinado era que, após a refeição, os três fossem juntos para uma ilha de edição. No entanto, ao chegar ao local, a editora encontrou apenas o chefe, sozinho.

Conforme apontado na denúncia, ele justificou "a ausência com um imprevisto" e afirmou "que teria sido melhor assim, pois poderiam se conhecer melhor".

"A fim de lograr êxito em sua 'caçada sexual', o denunciado passou então a dizer que amava a vítima e a fazer afirmações constrangedoras no ambiente de trabalho, tais como 'sou o homem ideal para você'; 'quando você vai largar aquele seu namorado?', além de propostas sexuais realizadas em tom de brincadeira."

A denúncia do Ministério Público reproduz trechos do depoimento de um então colega de trabalho da editora. Ele afirma que, a pedido da mulher, permanecia com ela na ilha de edição, "para que não ficasse a sós com Marcius".

Inquérito desde 2021

O inquérito, que apura assédio sexual, foi aberto em 18 de junho de 2021 após atrizes terem feito depoimentos à Ouvidoria da Mulher no Conselho Nacional do Ministério Público entre dezembro de 2020 e janeiro de 2021. O material foi enviado para o MP do Rio em 28 de janeiro de 2021 e o inquérito só foi instaurado cinco meses depois.

Desde 15 de julho de 2021, o Tribunal de Justiça do Rio autorizou uma série de medidas cautelares para proteger as mulheres que denunciam Marcius Melhem. Entre elas, a proibição de manter contato por qualquer meio de comunicação e de se aproximar a menos de 300 metros de distância.

Desde que foi instaurado, o inquérito já teve quatro delegados diferentes e trocou de promotor três vezes. No final de junho, a PGJ-RJ (Procuradoria-Geral de Justiça do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro) nomeou a procuradora Isabela Jourdan da Cruz Moura para auxiliar nas investigações do caso Marcius Melhem. O ex- diretor apresentou petições ao STF (Supremo Tribunal Federal) questionando a designação da promotora para o caso.

Nota da defesa:

"A escolha ilegal de uma promotora que não teve nenhum contato com as investigações, em evidente violação ao princípio do promotor natural, fato gravíssimo já levado à apreciação do Supremo Tribunal Federal, resultou, como se esperava, em uma denúncia confusa e inteiramente alheia aos fatos e às provas. Ignorando totalmente os elementos de informação do Inquérito Policial, a denúncia acusa Marcius Melhem do crime de assédio sexual contra três das oito supostas vítimas. No momento oportuno, esta absurda acusação será veementemente contestada pela defesa do ex-diretor, que segue confiante na Justiça, esperando que a magistrada não dê prosseguimento ao processo, como lhe faculta a lei", informam Ana Carolina Piovesana, José Luis Oliveira Lima, Letícia Lins e Silva e Técio Lins e Silva.

Nota dos advogados das vítimas:

"A acusação do Ministério Público no caso Marcius Melhem, prontamente aceita pela Justiça, demonstra que a investigação confirmou os fatos corajosamente denunciados pelas vítimas. Em outras palavras: para o Ministério Público, Marcius Melhem cometeu reiteradamente assédio sexual. Mais que isso, a concretização da denúncia mostra que a campanha de intimidação levantada pelo assediador contra as atrizes e profissionais envolvidos nas apurações não surtiu efeito, tendo os órgãos de persecução penal cumprido seu papel. A defesa ainda não teve acesso ao conteúdo da denúncia e, por esse motivo, não pode comentar dados específicos neste momento. Confiamos no Judiciário brasileiro para que uma resposta justa e exemplar para os episódios denunciados venha com celeridade, à altura do que um caso emblemático e grave como esse exige para as vítimas e para a sociedade", informam Antônio Carlos de Almeida Castro, Mayra Cotta, Marcelo Turbay e Davi Tangerino.