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Prostituta ou trabalhadora sexual? Nome e legalização geram controvérsias

Arte/UOL
Imagem: Arte/UOL

Lianne Ceará

Colaboração para Universa, de Fortaleza

29/03/2023 04h00

Profissionais do sexo —ou pessoas na prostituição— devem ter direitos trabalhistas iguais aos de outros prestadores de serviço? Ou esse serviço nem deveria existir?

Há pelo menos 20 anos a regulamentação da atividade no Brasil gera controvérsias — por enquanto, vence o lado que se opõe à criação de regras para o setor.

A divisão começa pelo nome que se dá ao ato de oferecer sexo em troca de dinheiro. Prostituição, o nome mais popular, é rejeitado por quem defende a regulamentação da prática. Estaria, segundo estes, carregado de estigmas — portanto, em desuso.

Trabalho sexual, termo escolhido pelos favoráveis à regulamentação, encontra resistência entre abolicionistas, como são chamadas as pessoas que lutam pela abolição da atividade — daí o nome. O principal argumento contra o uso do termo é que, na avaliação de seus críticos, funcionaria como eufemismo — e trataria por trabalho o que, para eles, é exploração.

No Brasil, o trabalho sexual —ou prostituição— não é crime, mas o chamado favorecimento da prática, sim. Quem se beneficia financeiramente da atividade executada por outra pessoa pode ser condenado a até oito anos de prisão.

"Degradação moral"

Em 2003, o então deputado federal Fernando Gabeira apresentou um projeto de lei para legalizar o serviço — desde 2002, "profissional do sexo" consta da lista de ocupações do Ministério do Trabalho. O projeto foi arquivado. Na ocasião, o então deputado federal Paulo Maluf classificou a proposta como "uma degradação moral".

Nove anos depois, Jean Wyllys —à época, deputado federal— apresentou novo projeto de lei, em sintonia com a proposta de Gabeira. Escreveu no texto da proposta que seu objetivo era "permitir aos profissionais do sexo o acesso à saúde, ao direito do trabalho, à segurança pública e, principalmente, à dignidade humana".

Batizou o projeto como Gabriela Leite, nome da ativista, profissional do setor e autora do livro "Filha, mãe, avó e puta" (Objetiva, 2009). Gabriela morreu no ano seguinte, 2012, sem ver sua profissão regulamentada - o projeto de Wyllys teve o mesmo destino do de Gabeira. Foi arquivado.

Tanto Gabeira quanto Wyllys inspiraram-se no exemplo da Alemanha, onde a atividade é regulamentada desde 2002, para elaborar seus projetos de lei.

Aceitação do corpo

A escritora Monique Prada, autora do livro "Putafeminista" (Veneta, 2018), ingressou no mercado informal do trabalho sexual aos 19 anos, numa fase de "muita dificuldade financeira", como relata a Universa. Ela atuou na fundação da Central Única de Trabalhadoras e Trabalhadores Sexuais e participa da Articulação Nacional de Profissionais do Sexo — é, portanto, uma ativista da regulamentação do setor.

"O reconhecimento formal é necessário para que a classe exista para além do Código Penal ou das questões de saúde genital", afirma. Monique chegou a passar um tempo afastada do serviço, mas retornou segura do "potencial terapêutico" do trabalho sexual, como escreveu em um post do Instagram (@eumoniqueprada) ao mencionar as conversas ocorridas entre clientes e profissionais.

Monique Prada - Luiz Ferreira - Luiz Ferreira
Monique Prada
Imagem: Luiz Ferreira

"Nosso trabalho vai muito além do puramente sexual", argumenta. No post, Monique também revela que, em um primeiro momento, a atividade -aliada à "pressão estética violentíssima da sociedade"—a levou a desenvolver distúrbios alimentares. Depois, ocorreu o contrário. "O trabalho sexual se tornou um caminho de aceitação do meu corpo, em especial conforme fui amadurecendo. Nunca me senti tão bem dentro desse corpo, independente de peso e idade".

Há, na avaliação das defensoras da regulamentação, machismo envolvido no lado oposto. "O trabalhador sexual masculino não incomoda ninguém. Já quando duas ou mais mulheres alugam um espaço para trabalhar, o local é rotulado como prostíbulo, e a pessoa responsável pelo aluguel como cafetina ou exploradora", queixa-se Juma Santos, coordenadora da Rede de Redução de Danos e Profissionais do Sexo Tulipas do Cerrado, de Brasília.

Ser trabalhadora sexual no Brasil não é proibido, mas tudo o que está no entorno dessa profissão é criminalizado Juma Santos

Argumento derrotista

A ativista Aline Rossi integra o Coletivo Maria Felipa, em Portugal —ela é brasileira— e já foi defensora da regulamentação da atividade por achar que "a prostituição não ia desaparecer e as pessoas precisam de direitos para sair da marginalidade". Hoje, pensa diferente. É uma das defensoras mais expressivas do fim da atividade entre as feministas de língua portuguesa.

O argumento de que a "prostituição nunca acabará", avalia, "é uma narrativa extremamente derrotista". "Podíamos falar o mesmo sobre o trabalho escravo — que, aliás, não desapareceu, mas nem por isso deixamos de ser abolicionistas nesse tema", afirma.

Ela analisa que o problema da prostituição nunca foi a falta de direitos trabalhistas, mas a violência masculina. Lembra que mulheres são espancadas, assaltadas, estupradas ou mortas pelos clientes.

Para ela, há uma idealização do perfil das mulheres que atuam na área — reforçado, nos últimos tempos, por plataformas como o OnlyFans.

A idealização está ligada à ideia de que, independente das próprias aspirações de vida, a mulher quer servir ao homem sexualmente Aline Rossi

A psicóloga Natália Marques, professora do mestrado profissional de psicologia e políticas públicas da Universidade Federal do Ceará (UFC), avalia ser necessário considerar o perfil das mulheres que estão no ramo: "A maioria é formada por pretas e pobres", diz. Trata-se, segundo ela, de uma exploração —visando o lucro— a qual são submetidas parcelas vulneráveis da população. "É preciso fortalecer medidas de assistência social para que essa população não precise recorrer à prostituição", afirma.

Escolhas

Para Monique Prada, há um ponto a ser considerado pelas abolicionistas: "Elas negam a condição de trabalhadoras de um grupo imenso de mulheres —em sua maioria, escapando da miséria, em alguns casos fugindo de seus países— sob o argumento de que nossas escolhas foram condicionadas pela necessidade", afirma. "Numa sociedade capitalista, todas as escolhas são por necessidade".

A despeito da controvérsia, feministas com diferentes opiniões a respeito do tema concordam com a necessidade de discuti-lo. E, como propõe Natália Marques, procurar construir uma sociedade com mais tolerância sexual — assim, prevê, haveria menos gente recorrendo à prostituição. Ou ao trabalho sexual.