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'Filho com síndrome incomum me fez estudar para encontrar meio de ajudá-lo'

A advogada Renata Fridman: "Após diagnóstico, criei grupos de discussão e traduzi conferências internacionais para servirem de embasamento teórico" - Arquivo pessoal
A advogada Renata Fridman: "Após diagnóstico, criei grupos de discussão e traduzi conferências internacionais para servirem de embasamento teórico" Imagem: Arquivo pessoal

Glau Gasparetto

Colaboração para Universa, em São Paulo

08/11/2022 04h00

A advogada Renata Fridman, 40, viu sua rotina virar de cabeça para baixo com o nascimento do primogênito Joseph, o Zé, hoje com 8 anos. Da UTI neonatal a exames e consultas semanais por mais de um ano, além de sucessivas visitas a diferentes médicos, o diagnóstico chegou através de um geneticista: Zé tem Síndrome do X-Frágil, condição genética que causa deficiência intelectual.

De lá para cá, muita coisa mudou. Renata se debruçou sobre estudos relacionados a síndrome, acabou deixando a advocacia de lado e abraçou novas atividades, principalmente de empreendedora social. Após o nascimento do primogênito, ela criou a BasicX - Rede do Abraço, empresa social com o objetivo de incentivar e ampliar o mercado de trabalho para pessoas com deficiência intelectual. Paralelamente, luta por um futuro mais inclusivo para seu filho e para as famílias atendidas pela empresa.

A seguir, Renata conta sua história.


"Tenho dois filhos que se dão muito bem: o Joseph, 'Zé', com 8 anos, que tem a Síndrome do X-Frágil, e o Noah, 5, que tem o desenvolvimento típico.

Joseph, Renata Fridman e Noah - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Renata entre os filhos Joseph (à esquerda) e Noah: "Meus filhos são os responsáveis pelo meu altruísmo"
Imagem: Arquivo pessoal

Quando o Zé nasceu, no dia seguinte foi direto para a UTI neonatal por ter vomitado sangue e apresentar exames fora dos padrões. Ficou lá por quatro dias, os piores e mais assustadores de toda essa jornada. Mãe de primeira viagem, somada à UTI totalmente inesperada, fiquei sem chão.

Imediatamente após sua chegada em casa, passamos um ano e dois meses indo duas vezes por semana ao pediatra e a laboratórios para investigar uma questão gastrointestinal. Ele vomitava e se sufocava. E não dormia.

Os exames fisiológicos não detectavam nada relevante. Pesquisava na internet sobre refluxo severíssimo e questões do sono, mas os relatos que eu lia nunca eram semelhantes ao que estava vivendo.

O pediatra me questionou sobre determinados comportamentos, e eu não fazia ideia do que responder.

O Zé não apontava, não balbuciava e não interagia da maneira esperada para a faixa de idade dele. Só engatinhou para trás, não rolava, não se equilibrava. Os marcos de desenvolvimento não foram atingidos. Apenas andou no tempo certo.

O primeiro neurologista em que passamos já havia nos dado indicação para um geneticista, algo que é, ou deveria ser, protocolar em casos de atraso no desenvolvimento.

Preconceituosa e ignorante, pensei: 'Não, ninguém da minha família tem nada', acreditando que tudo na genética fosse eminentemente hereditário.

Apenas o terceiro neurologista em que passamos me convenceu a consultar um geneticista. Qual não foi minha surpresa? O diagnóstico da Síndrome do X-Frágil, causadora de deficiência intelectual, que é, sim, hereditária.

Descobrimos isso com um ano e oito meses. Senti um alívio por descobrir a causa de tudo o que estava acontecendo.

O Zé é o menino mais afetuoso que conheço. Ele quer e consegue demonstrar carinho, a vontade de ter amigos, de estar inserido e incluído. Abraça e beija todos, às vezes até excessivamente, causando certa repulsa por parte de quem não o conhece bem.

Mas, para mim, é impossível pensar em repreendê-lo por ser do jeito que é.

"Me debrucei em estudos para entender a Síndrome do X-Frágil"

Depois que descobri o diagnóstico, me aprofundei na literatura da síndrome.

Além de formar grupos virtuais, ajudei a traduzir conferências internacionais para que sirvam de embasamento para outras pessoas com a síndrome.

Quando estudei grande parte de toda essa literatura, percebi que fizemos um tratamento totalmente equivocado, para não dizer até prejudicial.

A intervenção precoce é realmente crucial e envolve psicólogos, fonoaudiólogos, fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais. De qualquer forma, acredito que o mais importante mesmo seja estar incluído na sociedade.


"Descobri que só 1,1% das pessoas com deficiência têm emprego formal"

Acho que toda mãe teme o futuro do filho, mas costumamos dizer que mães atípicas não têm sequer licença poética para morrer. E é bem isso. A ausência de apoio nos faz temer mais pelo futuro deles. E nos faz antecipar algumas soluções.

Sempre lia a respeito dos desafios da adolescência, do interagir, da inclusão social, do ensino superior, da moradia, dos programas assistenciais de transferência de renda, mas mas assuntos sobre a vida adulta do meu filho ainda não tinham feito meu sangue ferver.

Meu despertar veio com uma pesquisa que fiz sobre o mercado de trabalho em que me deparei com dados alarmantes e desoladores, impossíveis de se conformar: apenas 1,1% das pessoas com qualquer deficiência possuem vínculo formal de trabalho.

Entre eles, apenas 9,6% representam pessoas com deficiência intelectual. Ou seja, a participação de alguém como meu filho no mercado de trabalho é quase nula.

Os baixos números se devem às barreiras impostas pela sociedade. Preconceito e ignorância sobre o assunto. A neurodiversidade ainda é um tabu.

As empresas desconhecem como lidar com pessoas com deficiência intelectual, se devem tratá-los com piedade ou desafios, em quais vagas poderiam alocá-los, como desenhar essas vagas, como devem selecionar e reter esses talentos, onde devem publicar as oportunidades e como fazer adaptações.

Quando nos deparamos com o cenário do mercado de trabalho, não tínhamos dúvidas de que o empreendedorismo era o melhor candidato à geração de renda desse público. E essa é uma questão urgente.

"Trabalhamos para que possam gerar renda"

Em plena pandemia, em maio de 2021, criei a BasicX - Rede do Abraço, um negócio de impacto social. Deixei um pouco de exercer a advocacia privada, sem abandonar meu trabalho voluntário no terceiro setor.

São duas etapas de atuação. A primeira é a capacitação, com assistência a pessoas com deficiência, ajudando-as a identificarem e despertarem interesses, além de ampliarem repertórios e habilidades; diversificarem possibilidades de técnicas, materiais e produtos; bem como oportunidades de participação em qualquer etapa da cadeia produtiva de um produto ou serviço. Ainda auxiliamos na distribuição de seus produtos ou serviços, com marketing, vendas e logística.

Apesar de não atuarmos operacionalmente com o emprego, não deixamos a causa de lado porque, reforço, a geração de renda da pessoa com deficiência é para ser olhada por todos com atenção. Assim é que buscamos mobilizar a sociedade e fortalecer instituições e movimentos sociais para a questão do emprego.

Nosso trabalho não se limita à pessoa em si, mas à toda a família.

O que aconteceu comigo estampa a situação de tantos familiares e responsáveis de pessoas com deficiência. Largar uma carreira, um emprego para cuidar da saúde, a sobrevivência de um filho ou parente é muito comum. Foi a minha história também.


"Me deparo com preconceito todos os dias"

Na vida pessoal, os obstáculos também aparecem.

Por parte de conhecidos, nunca fomos chamados para programas pequenos, como um cinema, um zoológico, um parque, um piquenique, tampouco para irmos na casa de algum amiguinho do Zé. Tem mães que nem escondem que há algum evento programado, mas que não é para todos. E assim, nunca participamos.

Um episódio que me chamou a atenção foi quando outra mãe atípica ficou brava de utilizarmos nossa preferencial para entrarmos num brinquedo.

Disse ela: "Mas você tem que ensinar ele a esperar, assim como eu consegui ensinar o meu". Quando fui ver, era um menino superfuncional, muito diferente da nossa condição naquele momento. E, claro, olhares tortos, julgadores, sem oferta de ajuda, em momentos de crise, é algo que faz parte do nosso cotidiano e que é difícil de se acostumar.

Ainda neste ano, estávamos numa fila de uma padaria, quando o Zé abraçou uma menina da altura dele que estava na nossa frente. O pai dela, de 1,90 metro de altura, empurrou-o a 2 metros de distância. Perplexa e atônita, expliquei a esse pai sobre a condição do Zé, mas ele me deu as costas e sequer pediu desculpas. Às vezes, é difícil rogar por compreensão.

Renata Fridman, 40, empreendedora social e advogada. É mãe do Joseph (Zé), 8, e Noah, 5, e vive em São Paulo.