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'Sua neguinha': proibida de usar banheiro, dentista sofre racismo em Macaé

A dentista Perla Spozito foi vítima de injúria racial em quiosque de praia de Macaé - Arquivo pessoal
A dentista Perla Spozito foi vítima de injúria racial em quiosque de praia de Macaé Imagem: Arquivo pessoal

De Universa, em São Paulo

19/10/2022 16h15

A dentista Perla Spozito, 24, curtia um dia de praia em Macaé (RJ), no último domingo (16), quando foi vítima do crime de injúria racial. A jovem tentou utilizar o banheiro de um quiosque na Praia do Pecado quando ouviu ofensas do dono do comércio, que a chamou de "neguinha".

"Estava com uma amiga e alguns conhecidos, todas pessoas brancas, que estavam consumindo no quiosque deste senhor. Por volta das 15h30, fomos até o banheiro do quiosque, já que estávamos com esse grupo que estava consumindo no local, então pensamos que não seria um problema", relatou a Universa.

Ao chegar ao local acompanhada de uma amiga, também uma mulher negra, Perla perguntou ao proprietário, identificado como Ronaldo, onde estava localizado o banheiro. Foi quando ele começou a proferir ofensas à jovem. "Ele me olhou de cima para baixo. Ele estava com muito ódio e começou a me ofender sem nenhuma explicação. Dizia coisas como 'quem é você', 'olha de onde você veio', 'volte para favela' e 'sua neguinha'."

A dentista afirma que tentou explicar que estava com pessoas que estavam consumindo bebidas do bar do quiosque. "Ele se recusou a ouvir, e continuou dizendo 'quem é você' e me chamando de neguinha", disse a jovem.

"Fiquei desacreditada que aquilo estava acontecendo. Só consegui entender e nomear aquilo de racismo alguns minutos depois", continuou a jovem. "Fiquei triste e desolada. Eu estava anestesiada."

Perla relata que, quando voltou à faixa de areia, seus colegas afirmaram que foi uma "grosseria desnecessária" e continuaram consumindo no estabelecimento. "Uma das meninas, inclusive, foi até o quiosque e disse que foi ao banheiro tranquilamente, sem precisar pagar nada. Foi naquele momento que passei da tristeza para a revolta."

Ela conta que aguardou a chegada dos policiais e avisou o dono do quiosque que tinha acionado a polícia. "Ele me chamou de mentirosa e começou a gritar novamente", conta Perla. Quando os agentes chegaram, um homem que testemunhou o ocorrido disse que iria depor a favor das jovens.

"Me senti humilhada", diz vítima

Perla conta que já passou por inúmeros casos de racismo, mas nunca precisou acionar a polícia. "Tive uma infância marcada pelo racismo — seja pelo cabelo, apelido horrível que era coisa de criança, mas que atormentam até hoje. Hoje sou dentista e sempre tem paciente que me confunde com recepcionista, mesmo se estou de jaleco. Mas são casos de um racismo que vem muito velado. Dessa vez, foi muito escancarado, me senti humilhada por um homem que sequer se sentiu arrependido", afirma.

"Nunca é fácil reconhecer que você sofreu racismo. Assim como um relacionamento abusivo, é difícil dar nome, afirmar 'sofri racismo agora', contar para um amigo, publicar numa rede social. Mais difícil ainda denunciar, não sabe se vai ser um policial branco que não vai acreditar no que você está contando", desabafa a jovem.

"Minha sorte é que tive homem branco como testemunha, de alguma forma isso ajudou. Mas acredito que as pessoas têm sim que denunciar e procurar apoio. É muito doloroso."

Prefeitura vai cassar licença de quiosque

José Ronaldo foi detido em flagrante e autuado por injúria. Com a fiança de dois salários mínimos paga, ele responde em liberdade.

O prefeito da cidade, Welberth Rezende (Cidadania-RJ), afirmou que a primeira medida administrativa tomada pela Prefeitura de Macaé será a cassação de licença para atuar e que o quiosque será lacrado. "Não podemos nos calar diante casos como este. Nossa sociedade não tolera mais nenhum tipo de discriminação. O governo municipal está atento e não ficará inerte diante dessas agressões aos direitos civis", publicou o prefeito nas redes sociais.