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Iranianas cortam cabelos nas ruas contra uso do véu: entenda protestos

De Universa, em São Paulo

22/09/2022 16h29

A morte da jovem Mahsa Amini, 22 anos, em 13 de setembro, fez despontar uma onda de protestos no Irã. Até esta quinta-feira (22), ao menos 17 pessoas foram assassinadas do país durante a repressão aos protestos. O governo não esclareceu a causa das mortes. Vídeos publicados em redes sociais mostram mulheres jogando seus hijabs em uma fogueira, cortando o cabelo, entre outras demonstrações que desafiam o regime.

Mahsa morreu após ser detida pela chamada patrulha de orientação, que tem sido traduzida pela imprensa ocidental como "polícia da moralidade". Ela estava sob custódia da polícia porque usava hijab (véu usado por mulheres muçulmanas) que deixava fios dos cabelos à mostra. A polícia nega agressões e afirma que Mahsa morreu devido a comorbidades. A família de Masha contesta a versão das autoridades policiais.

Nesta quarta-feira (21), o governo restringiu a internet do país, que agora só tem acesso entre território local e impediu o acesso às redes sociais. Além disso, o presidente do Irã, Ebrahim Raisi, anunciou a criação de uma criação parlamentar para investigar a morte da Masha.

"A questão é se o governo tem credibilidade, já que o comportamento das autoridades sempre foi muito violento e humilhante com as mulheres. Não choca absolutamente ninguém", diz iraniana Khazar Masoumi, especialista em Direito Internacional. "E o governo diz 'não matei por uso do véu, mas mata homens e mulheres que estão se manifestando?", questiona Khazar, que mora no Brasil desde 2017.

O que está acontecendo no Irã?

O uso de véu pelas mulheres é obrigatório no país desde a revolução iraniana em 1979. A antropóloga Francirosy Barbosa, docente da USP (Universidade de São Paulo), afirma que os movimentos do uso do hijab já vem acontecendo há anos no país, mas agora ganharam força devido à reação à morte de Mahsa, que era de origem curda.

"Os movimentos feministas iranianos sempre tiveram muita força, as mulheres sempre se rebelaram e fizeram passeatas e movimentos historicamente no país", diz a antropóloga. "Isso [a morte de Masha] acelerou essa rebelião. Mas as mulheres têm sido coagidas há um tempo pelo o governo iraniano, que compreende à risca que todas as mulheres têm que estar cobertas, que segundo eles é uma lei religiosa, por entendimento e interpretação de uma linha da religião."

A antropóloga explica que o Alcorão afirma que as mulheres devem se cobrir. No entanto, há a interpretação de que existe livre arbítrio e o lenço seria uma relação entre a mulher e Deus, e um pai não poderia obrigar sua filha fazer uso do véu. "Ou seja, deixar de usar o lenço não significa que ela deixa de ser muçulmana."

Khazar Masoumi afirma que as manifestações não são mais apenas por uma interpretação religiosa — ganharam uma forma política. "Tem camadas da sociedade que são contra esta interpretação religiosa e acreditam que não pode ter obrigação seu uso. Mas estes protestos ultrapassaram esse debate. Não é um debate religioso, mas é sobre direitos políticos, sobre a opressão contra o cidadão — então isso está sendo resolvido como questão política, nas ruas."

Khazar explica que jovens mulheres estão à frente do movimento. "A maioria nas ruas é de mulheres. É um evento muito importante para feministas do mundo, uma geração que nasceu no pós-revolução [a partir da década de 1980] e não viu a guerra [contra o Iraque]. É uma reação ao que viveram toda sua vida", diz.

Uso do véu é diferente em vários países muçulmanos

"Na Arábia Saudita, Afeganistão e Paquistão, guardada devidas proporções em cada um deles, existe mais ou menos pressão para o uso do hijab, atrelados também com a questão cultural. Há países em que isso está explicitamente na lei, mas em outros na questão moral religiosa, no sentido da comunidade", diz Francirosy Barbosa. Já no Irã, quem não usa hijab nas ruas pode ser punida com multa e é detida para fazer um curso de reeducação.

Khazar lembra que mulheres de todas as gerações lutaram contra esta obrigatoriedade. "No início foi mais restrito, uma obrigação em repartições públicas. Mas logo quando anunciaram o uso compulsório do véu, já começou uma resistência, desde março de 1980, mulheres foram às ruas se manifestar. Sempre existiu a resistência. Mulheres no Irã são um dos grupos que nunca baixaram a cabeça"