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'Envelhecem as mais novas': Rosamaria Murtinho diz que não tem espaço na TV

Rosamaria Murtinho, atriz - Greg Salibian/Folhapress
Rosamaria Murtinho, atriz Imagem: Greg Salibian/Folhapress

De Universa, em São Paulo

04/09/2022 04h00

A atriz Rosamaria Murtinho, de 89 anos, está na TV desde os 20 e acumula no currículo mais de 80 filmes e novelas, em uma lista repleta de clássicos, entre eles a primeira versão de "Pantanal", de 1990, em que interpretou a personagem Zuleica. Em 2019, fez seu último trabalho na Globo, a novela "A Dona do Pedaço", mas logo depois se viu obrigada a parar: durante a pandemia, como a maioria dos idosos, se recolheu em casa ao lado do marido Mauro Mendonça, 91, com quem é casada há 63 anos.

Depois de dois anos completamente isolada, foi acometida de uma depressão, causada, especialmente, pela pausa nos trabalhos, que ainda não foram retomados."Estou sempre esperando alguém me chamar para trabalhar", diz a Universa, em entrevista por telefone. "Faltam papéis para as mulheres mais velhas. E, às vezes, chamam atrizes mais novas para envelhecer com maquiagem. Nós estamos aqui, com a cabeça boa, querendo trabalhar. É só escalar."

Ela relaciona a falta de convites profissionais ao etarismo —termo que descobriu há pouco tempo, nas reportagens que lê quase diariamente para se manter atualizada, e que significa preconceito com pessoas de mais idade.

Os convites para eventos sociais, como festas, estreias e inaugurações, também se tornaram escassos à medida que a idade avançou. Outra forma de etarismo, "mas sem maldade", aponta. "Antigamente, era tanto convite que eu vivia com a agenda cheia. Agora, acho que as pessoas pensam: 'Ah, não vou tirar eles de casa'. Lamento, porque iria em tudo".

Rosamaria Murtinho em cena da novela "Vereda Tropical", exibida em 1984 pela Globo - TV Globo/CEDOC - TV Globo/CEDOC
Rosamaria Murtinho em cena da novela "Vereda Tropical", exibida em 1984 pela Globo
Imagem: TV Globo/CEDOC

"Gostaria de aprender a não pensar na morte"

Os mais de dois anos reclusos em casa fizeram com que Rosamaria deixasse grisalhos os fios que pintava há anos. Nem os cabelos brancos e nem as rugas a incomodam —ela tem "o rosto marcado pelo tempo" e diz que só faz botox na testa para reduzir as marcas de expressão entre as sobrancelhas e "não parecer que está sempre zangada".

Harmonização facial, nem pensar: "Tem gente que é muito feia, faz e funciona. Não que fique bonito, mas fica aceitável. Eu não vou fazer não", fala.

"Envelhecer é uma coisa natural. As rugas vêm aos poucos e você vai se habituando", diz. "O terrível de envelhecer, por outro lado, é a proximidade da morte. Tem gente que consegue não pensar nisso, eu gostaria de aprender porque é um pensamento que me acompanha. Se existe uma fórmula [para não pensar na morte], por favor, me contem."

"Pantanal" e a nova Zuleica, 30 anos depois

Uma das novelas mais marcantes que fez, conta a atriz, foi a primeira versão de "Pantanal": em 1990, ela interpretou Zuleica, papel que hoje é vivido por Aline Borges, a segunda esposa do vilão Tenório.

E, diferentemente da versão original, Zuleica agora é negra por uma escolha acertada do diretor Bruno Luperi, opina Rosamaria. "A história dela foi toda preservada, mas mais moderna, atualizada. E escalar uma mulher preta para uma novela é sempre uma decisão boa", diz.

Em entrevista recente a Universa, Aline Borges, a Zuleica de 2022, disse que foi muito atacada pelo público em razão da personagem, criticada por ser "a outra", mas Rosamaria não lembra de ter recebido a mesma rejeição há 30 anos: "Uma ou outra pessoa comentava, mas ataques agressivos, grosseiros, não aconteciam".

Rosamaria Murtinho como Zuleica, na primeira versão de "Pantanal", em 1990 - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Rosamaria Murtinho como Zuleica, na primeira versão de "Pantanal", em 1990
Imagem: Reprodução/Instagram

Em defesa das mulheres, mas contra o aborto

Ao comentar a trajetória da personagem —que nesta semana revelou ter sido vítima de um estupro cometido por um médico, dentro de um hospital— a atriz veterana diz que a história "não poderia ser mais atual", se referindo às notícias do anestesista preso por estuprar uma paciente em trabalho de parto, em julho, em São João do Meriti (RJ). "Isso existia na época, claro, mas a gente não sabia, não falava. Hoje é tudo muito mais exposto".

No mês passado, quando veio à tona que a atriz Klara Castanho, de 21 anos, foi vítima de um estupro, engravidou e entregou o bebê legalmente para adoção, Rosamaria prestou solidariedade à colega nas redes sociais, dizendo que o "não" das mulheres deve ser respeitado, e que estava com ela e "com tantas outras mulheres que passaram e passam pelo mesmo todos os dias".

A Universa, Rosamaria disse que Klara "é uma menina muito forte" e que não esconder sua história "foi uma atitude muito corajosa".

Mas, mesmo sem que a reportagem a questionasse, declarou ser contra o aborto, citando a música "Força Estranha", de Caetano Veloso, que diz: "Eu vi a mulher preparando outra pessoa". "[Quando engravida], a mulher está carregando outra pessoa, o ventre dela é só um depositário da criança. Então sou contra, não acho legal".

63 anos de casamento: "Somos sobreviventes"

Das mais de seis décadas que Rosa e Mauro passaram casados, dez deles o casal viveu separado na mesma casa, dormindo em quartos diferentes: "A gente deu um tempo bem grande. Resolvemos voltar e agora tá sendo muito gostoso. Um casal mais velho entende mais da vida, e ninguém faz tanta questão de ter razão"

No Instagram —que é administrado por Rosa com a ajuda de cinco fãs e amigas que moram em diferentes estados do Brasil—, a atriz compartilha muitas fotos dela ao lado de Mauro; algumas antigas e outras atuais, mas sempre demonstrando afeto .

Questionada sobre o "segredo" para uma relação duradoura e feliz, Rosa ri: "Minha filha, somos verdadeiros sobreviventes". Mas deixa a dica: "Se pessoas mais novas estão lendo esta entrevista, recomendo que dialoguem. É sempre bom. E quanto mais jovem o casal aprender a dialogar, melhor".

Rosamaria Murtinho e Mauro Mendonça são casados há 63 anos, mas passaram 10 deles separados - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Rosamaria Murtinho e Mauro Mendonça são casados há 63 anos, mas passaram 10 deles separados
Imagem: Reprodução/Instagram

"A gente tem que caçar a felicidade sempre"

Cristã, ela reza todos os dias o terço da misericórdia com a cantora Elba Ramalho, pelas redes sociais, e com o padre da paróquia que frequenta, em São Conrado —e acredita que, junto com o trabalho de psiquiatra, psicólogo e medicação ansiolítica, a fé foi um fator importante para a melhora da depressão.

"Foi uma coisa que me marcou muito, mas agora estou bem. Não estou totalmente curada, mas tive uma melhora de 80%", percebe. "Hoje em dia é mais natural falar sobre isso. Não sei se posso mudar o estigma das pessoas [sobre a depressão], mas posso incentivá-las a procurar ajuda."

"Estou absolutamente convicta que Deus colocou a gente no mundo para ser feliz. Não é fácil, não sou feliz o tempo todo, mas a gente tem que caçar a felicidade sempre."