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Simone Tebet: país é conservador e não está pronto para discutir aborto

A senadora Simone Tebet - Divulgação
A senadora Simone Tebet Imagem: Divulgação

Luiza Souto e Mariana Gonzalez

De Universa, em São Paulo

28/07/2022 07h00

Esta é a versão online da edição de (28/7) da newsletter de Universa, que traz, excepcionalmente nesta quinta-feira, a entrevista com a senadora Simone Tebet -- que acaba de ter sua candidatura oficializada pelo MDB. Inscreva-se gratuitamente para receber a newsletter toda semana. Assinantes UOL podem ter dez newsletters exclusivas toda semana

Única mulher entre os principais candidatos à Presidência nas eleições deste ano, a senadora Simone Tebet (MDB), 52 anos, teve sua candidatura finalmente oficializada ontem, na convenção virtual do MDB. O partido estava dividido (um grupo de emedebistas preferia apoiar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva). Segundo levantamento do instituto Ipespe, encomendado pela XP Investimentos e divulgado na última segunda (25), Tebet tem 4% das intenções de voto, ocupando o quarto lugar, atrás de Lula (PT), Bolsonaro (PL) e Ciro Gomes (PDT). Além disso, ela enfrenta o que define como "solidão" na política, como conta em entrevista a Universa.

Diante de episódios que colocam em debate os direitos e a segurança das mulheres, como o do anestesista que estuprou uma parturiente em São João de Meriti (RJ), diz que está "cansada de lutar sozinha" e que precisa "praticamente implorar" para que o Congresso se posicione. E conclui: "Temos um governo misógino".

"Voltamos ao século passado no que se refere a direitos fundamentais. E o mais lamentável é ver o Congresso inerte diante de uma situação dessas. O machismo é cultural, é estrutural, mas e aí? Estamos cansadas de lutar sozinhas. Queremos que os homens se somem à luta pelos direitos e pela segurança das mulheres", diz, em entrevista concedida por telefone à repórter Mariana Gonzalez.

Embora concorde que os direitos reprodutivos e de planejamento familiar das mulheres, como o aborto, devam ser discutidos no Legislativo e Judiciário, acredita que "a população não está preparada" para avançar no tema: "Estamos diante de uma sociedade conservadora".

Na entrevista, a senadora também discute violência política, apresenta propostas para a mulher que constarão em seu programa de governo e lembra um episódio de assédio sexual que viveu há mais de 30 anos: "Tenho uma condição social que me permitiu romper esse vínculo rapidamente. [...] Não tive coragem de denunciar. Saí [da empresa] sem justificar, tive que ouvir do meu pai que eu não parava em estágio nenhum, que não queria saber de trabalhar, e aguentei calada".

Confira os principais trechos a seguir.

Universa: Episódios recentes colocaram em debate direitos reprodutivos e a violência contra meninas e mulheres —caso da atriz Klara Castanho e da menina de 11 anos que teve o aborto negado em Santa Catarina, entre outros. Acredita que esses assuntos venham a ocupar espaço entre os candidatos à Presidência?

Simone Tebet: Nós estamos diante de uma sociedade conservadora. Hoje, a população não está preparada para discutir a questão do aborto além do que já é previsto em lei. Antes disso, a população está preparada —pelo menos 100% das mulheres e acredito que 90% dos homens — para debater um tema tão grave quanto esse, que é a violência contra a mulher.

Tenho idade e experiência política suficientes para entender o que dá para propor como pauta. Às vezes, a gente tem mania de querer avançar muito em determinadas discussões, que vão levar anos para andar no Brasil, quando a gente tem questões prontas para serem discutidas. Mas, quando a gente fala da violência contra a mulher, violência política, doméstica, sexual, estupro, isso é quase unanimidade. A gente precisa avançar onde dá para avançar, no momento certo e do jeito certo.

Como advogada, considera que as leis que hoje versam sobre os direitos da mulher são cumpridas?

Nestes últimos sete anos [período em que Tebet está no Senado], nunca se avançou tanto em matérias legislativas envolvendo a mulher. O nosso arcabouço legal é um dos mais modernos do mundo, mas, na hora de colocar em prática, estamos devendo muito às mulheres brasileiras. Avançamos na legislação, mas não na efetivação das leis. Primeiro porque temos um governo que não acredita na legislação aprovada —temos um governo misógino, que entende essas políticas públicas com olhar de retrocesso. Segundo porque em muitos estados ainda faltam boa vontade e recursos financeiros.

O que precisa acontecer para que essas leis sejam plenamente efetivadas?

De um lado, mais mulheres na política. Precisamos ter pelo menos 30%, que é a média mundial [hoje, no Brasil, as mulheres representam em média 15% do Congresso]. As mulheres têm esse olhar voltado para o social —para outras mulheres, crianças, idosos, saúde, educação. De outro lado, é importante colocar essas pautas como prioritárias. Seja o nome que se dê ao ministério, precisa ter uma pauta clara, que esteja na mesa do próximo presidente da República.

Como única candidata à Presidência nas eleições —e também como mãe —, como a senhora acompanha casos como o do anestesista que estuprou uma parturiente no Rio de Janeiro?

Esse é mais um exemplo do retrocesso civilizatório que o Brasil está vivendo. Voltamos ao século passado no que se refere a direitos fundamentais.

Hoje as mulheres estão mais conscientes, conseguem denunciar mais, porque se sentem mais protegidas, tanto no âmbito legislativo quanto por haver mais mulheres à frente de delegacias, por exemplo. Mas o modus operandi, a gravidade das denúncias, é tudo um absurdo. Eu, que faço política há muito tempo e já vi de tudo, fico cada vez mais estarrecida.

O anestesista, que para mim é um monstro, transformou aquela sala da vida [se referindo à sala de cirurgia em que a vítima dava à luz] num verdadeiro porão de tortura. Ele praticou um estupro generalizado: estuprou a medicina, estuprou a ciência, estuprou o maior amor que uma criatura pode ter, que é o amor de uma mãe. E o mais lamentável é ver o Congresso inerte diante de uma situação dessas.

Como o assunto foi debatido —se é que foi debatido — no Senado?

Fiz um pronunciamento praticamente implorando para que déssemos uma resposta imediata e levássemos para plenário a votação de projetos ligados ao assunto —existem vários em tramitação — com urgência [por causa do recesso parlamentar, que começou no último dia 18].

Apresentei uma emenda estabelecendo que qualquer abuso sexual ou estupro cometido em ambientes de saúde —não só hospitalar, público ou privado, mas também em clínicas de saúde — seja caracterizado como estupro de vulnerável. Mesmo numa quimioterapia ou tomando um simples soro, você fica vulnerável, não sabe o que está acontecendo. Mas, infelizmente, por uma questão de burocracia, vários senadores disseram que não era possível, preferiram apresentar projetos próprios. Eu me pergunto: para quê, se já existem tantos projetos? Eles não querem resolver o problema, querem aparecer.

Eu estou cansada de lutar sozinha. O machismo é cultural, é estrutural, e o Brasil é dos países mais violentos em relação a suas mulheres. Esse prognóstico nós já temos, mas e aí? Queremos que os homens se somem à luta pelos direitos e pela segurança das mulheres.

Como enfrenta as violências diárias que acontecem na política?

A violência política acontece mesmo, das mais simples até as mais graves, chegando a ameaças físicas, dessas de crescer o corpo para cima da mulher. A gente tem que bater na mesa para ser ouvida.

Na primeira vez que aconteceu, há muitos anos, fui chorar no banheiro. Na segunda, tentei reagir, titubeando. Depois da terceira, ninguém mais me enfrenta. Vou com coragem, com a reação devida. Na CPI [da Covid] mesmo ficou muito claro. A CPI serviu para mostrar não só a força da mulher, a competência, mas também o quanto é árduo e inóspito o ambiente político para a mulher. Mas isso não nos desanima. Já foi pior. E tem que servir de estímulo para que mais mulheres se apresentem à política.

Para além das violências que sofre no Parlamento, a senhora contou ter sido vítima de assédio sexual. Como lidou com isso?

Sim. Eu sofri assédio sexual enquanto fazia estágio, no Rio de Janeiro. Para mim não houve marcas, e é lamentável dizer isso porque eu tenho uma condição social que me permitiu romper esse vínculo rapidamente. Não tive que fazer a triste escolha que as mulheres brasileiras infelizmente têm de fazer: continuar colocando comida na mesa de seus filhos ou defender sua dignidade, sua integridade física e mental. Elas vão se submetendo, passam dias, meses, tentando levar, não denunciam por medo de serem mandadas embora.

No meu caso foi muito simples: quando aconteceu, eu simplesmente saí do ambiente de trabalho. Houve um contato físico, mas não chegou às vias de fato e também não me traumatizou, não atingiu a minha alma. Mas, lamentavelmente, não tive coragem de denunciar. Eu saí [da empresa] sem justificar, tive que ouvir do meu pai que não parava em estágio nenhum, que não queria saber de trabalhar, e aguentei calada. Não quis explicar, não tive como provar.

Quais são os principais pontos no que diz respeito à mulher que a senhora levará para seu programa de governo?

Não há política pública mais importante para a família do que moradia própria. Quero resgatar a construção de casas populares, e a chave da casa própria, em 95% dos casos, é entregue para as mulheres. É disso que elas precisam para ter autonomia: casa própria no nome delas para poderem, em caso de violência, expulsar um pai pedófilo, que bate, espanca os filhos ou a própria mulher. Isso é prioridade absoluta.

Em segundo lugar, uma linha de políticas públicas específicas para mulheres empreendedoras —micro e pequenas, porque médias e grandes empreendedoras já têm estrutura, especialmente no financiamento e na capacitação para tocar seus próprios negócios.

Por fim, o que eu, como mãe, posso dizer com tranquilidade: cuidar dos filhos. Se a gente protege os filhos, agrada às mulheres. Então pretendo garantir a proteção absoluta à criança e ao adolescente por meio da criação de uma secretaria nacional dedicada à qualidade do ensino, desde a creche, algo de que as mulheres precisam para poder trabalhar, até o Ensino Médio, que também garante para a mãe a tranquilidade de que o jovem não vai virar um nem-nem [alguém que não estuda nem trabalha].

Parte das lideranças do MDB alinhadas a Lula pressionava o partido pela retirada de sua candidatura. Como a senhora viu esse movimento?

Só uma candidatura de centro pode fazer o Brasil voltar a crescer. Nenhum dos dois polos extremos tem condições de fazer isso. O próximo governo é de transição, serão quatro anos para garantir o que perdemos em termos de políticas públicas e garantir a estabilidade institucional, política e social.

Não vejo nenhum dos lados conseguindo garantir essa paz que permite ao investidor estrangeiro segurança para investir aqui. São trilhões de reais que não vêm para o Brasil porque o país vive esse clima beligerante de guerra civil que não dá estabilidade para o investidor. E quem paga a conta é a população brasileira.

Vê machismo nesse esforço para que a senhora retire a candidatura?

Prefiro acreditar que seja medo. Medo de uma candidatura com um dos menores índices de rejeição, que ainda não cresceu porque metade da população brasileira não conhece o nosso nome. Estou muito confiante nesse crescimento.

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