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Congresso tem recorde de projetos para proteger mulheres, mas aprova só 4%

Marcos Oliveira/Agência Senado
Imagem: Marcos Oliveira/Agência Senado

De Universa, em São Paulo

13/04/2022 14h08

Em 2021, foram apresentados 555 projetos sobre direitos das mulheres no Congresso Nacional. O tema da violência foi o de maior destaque, com 244 propostas. O número é um recorde na comparação com as legislaturas recentes mas, entre essas proposições, só dez —sete projetos de leis e três decretos— foram aprovadas, o que representa apenas 4%.

O número de projetos sobre o tema teve um "boom" no atual mandato: em média, entre 2015 e 2018, os deputados e senadores apresentaram 15 propostas sobre o tema anualmente. Já em 2019, foram apresentados 121 projetos, o dobro de todas as propostas apresentadas nos quatro anos anteriores. Em 2020, foram 182.

Os dados são do "Mulheres e Resistência no Congresso Nacional 2021", publicação realizada pelo Cfemea (Centro Feminista de Estudos e Assessoria). A entidade faz, há mais de 30 anos, o levantamento das proposições de interesse das mulheres no Congresso Nacional e lançou relatório anual nesta quarta-feira (13). A pesquisa tem como base as informações do Radar Feminista no Congresso Nacional, um sistema de monitoramento do Legislativo, mantido através da parceria com o DIAP (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar).

A análise da organização é de que projetos que aumentam a criminalização e a punição se tornaram uma tendência dos legisladores por o tema estar "apaziguado" e também por influência de uma bancada de parlamentares ligados à segurança pública. É o que afirma a historiadora Sônia Malheiros Miguel, mestra em sociologia e integrante do Cfemea.

"Não é ruim, para o parlamentar, apresentar um projeto sobre violência contra a mulher, pelo contrário, dá visibilidade. Então essas propostas despontaram, mas boa parte vai pela via da penalização e não pensa o problema da violência com um olhar mais amplo, como pela perspectiva da educação. Ou seja, existe a ideia de que a violência se resolve apenas com a criação de mais tipos penais", analisa a historiadora.

Outra explicação para o crescimento do número de projetos sobre o tema, além do aumento do número de parlamentares mulheres no Congresso Nacional, é o vácuo de políticas públicas e de programas de enfrentamento à violência, analisa a cientista política Priscilla Brito, que também participou do levantamento do Cfemea.

O Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos executou apenas metade do valor disponível do orçamento e destinou, para este ano, o menor recurso dos últimos quatro anos —e de toda a gestão de Damares Alves— para o combate à violência contra a mulher no Brasil.

"Antes, com o Plano Nacional de Política para as Mulheres, havia repasse de recursos e a coordenação nacional com a secretaria que verberou na criação de políticas estaduais sobre o tema. A desestruturação dessa política nacional trouxe uma pressão para trazer a solução do problema via Congresso. Quase todos os parlamentares apresentaram temas sobre isso", observa.

"Além de serem focados na questão punitiva, como o aumento de pena e aumento da força da polícia para agir, também foram apresentados projetos de organização do Judiciário para lidar com casos de violência."

O PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira) é o partido com maior número de projetos, segundo levantamento do Cfemea, considerando Câmara e Senado, com 73 propostas. O PT (Partidos dos Trabalhadores) ocupa a segunda posição, com 67 projetos noticiados, seguido do PSL (Partidos Social Liberal), com 51 propostas e Republicanos, com 43 projetos noticiados. Com a fusão do PSL com o DEM e criação do União Brasil, o partido assumiria o segundo lugar, com 72 projetos.

Entre as propostas aprovadas, uma entre as de maior destaque foi a Lei Mariana Ferrer, sancionada em novembro de 2021, para impedir a humilhação de vítimas e de testemunhas em processos criminais e a lei que combate a violência política contra as mulheres, aprovada em agosto do mesmo ano.

Projetos são numerosos, mas pouco significativos e com baixa aprovação

Dos 555 projetos apresentados sobre mulheres, apenas 29 foram aprovados. Do total, 469 têm origem na Câmara e 86 no Senado. A saúde foi o segundo assunto mais apresentado, com 77 projetos. Em seguida, os que tocam na questão sobre política, como representatividade nas casas legislativas, foi o terceiro tema com mais proposições, 56.

O Cfemea chama a atenção para o fato de a maioria tratar de ações pontuais ou ter semelhanças com projetos já em tramitação. São poucas as propostas, diz o relatório, "que contribuem de forma significativa para o desmonte das estruturas sexistas", além de ter pouco ou quase nenhum diálogo com setores da sociedade civil, como organizações de mulheres e feministas, e com o Executivo para garantir a implementação de políticas públicas.

"Em grande parte dos casos, talvez não fosse necessário uma lei. Cerca de 100 projetos são contrários aos direitos das mulheres, mas a maioria é inócuo e poderia ser resolvido com uma diretriz interna de um ministério, por exemplo. Então, o número de propostas é grande, mas pouco significativo", afirma a historiadora Sônia Malheiros.

"Essas propostas são feitas sem articulações com as pessoas diretamente interessadas nelas", completa a historiadora. "Tem muito projeto, mas a política não avança."

Polarização política é forte na pauta do aborto

No campo de direitos sexuais e direitos reprodutivos, o relatório não observou nenhum retrocesso. Segundo a publicação, a restrição completa do aborto no Brasil ainda é uma medida polêmica para o Congresso. Segundo pesquisa do Instituto Locomotiva e da Agência Patrícia Galvão, sete em cada dez brasileiros defendem que lei seja mantida ou ampliada.

Mesmo assim, o tema do aborto continua mobilizando parlamentares. O PSL se destacou em número de propostas enviadas sobre o tema, com 11 projetos noticiados no Radar. A liderança do partido se deve à ação da deputada federal Chris Tonietto (PSL-RJ), responsável por sete desses projetos, todos eles tentando restringir ou eliminar o direito ao aborto no Brasil.

Em seguida, aparecem PSOL e PT com projetos que tentam defender os direitos já existentes. Nessa pauta, partidos de esquerda e de direita representam polos opostos no debate.

Outro destaque do relatório é que, nos projetos sobre direitos das mulheres, a questão racial é um tema ausente. "Há um silêncio do Estado em relação à intersecção do tema da violência de gênero e racial. Racismo este que se manifesta de forma dramática nos números de violência letal quando verificamos que as mulheres negras compõem 62% das vítimas de mortes por agressão, mas que também se manifesta de diversas outras formas", aponta o relatório.