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'Estou com crises de ansiedade', diz vendedora vítima de 'sala da sarrada'

Ed Rodrigues

Colaboração para Universa

19/08/2021 04h00

"Ele dizia: 'Deixa eu ver um nude seu que te pago R$ 50'. Eu desconversava e me afastava porque tenho duas filhas e precisava do emprego." A afirmação é de Anna Paula Oliveira, 31 anos, que foi demitida por justa causa após denunciar os assédios do chefe e de outro funcionário em uma loja de telefonia móvel [por causa de um acordo trabalhista, o nome da empresa não pode ser citado]. Segundo ela, era desse jeito que o gerente geral costumava assediar suas funcionárias.

Anna Paula falou em primeira mão para Universa nesta quarta-feira (18) e contou que as investidas do gestor sobre as colegas de trabalho eram constantes na loja, que fica em um shopping center do Rio de Janeiro. A ex-vendedora de uma loja que denunciou dois funcionários por assédio sexual e acabou demitida mostrou como era o que eles apelidavam de "sala da sarrada", onde teriam sido cometidos os crimes. Por causa da violência que diz ter sofrido na copa da loja, Anna Paula tem recebido apoio psicológico. As agressões, conta, atingiram toda a família.

"Minhas filhas estão com a minha mãe. As duas também estão sendo acompanhadas por psicólogos. Estou me tratando com três médicos, tomando 11 medicamentos diferentes para controlar minhas crises de ansiedade. Nunca imaginei que passaria por uma situação absurda dessa", disse Anna Paula.

A ex vendedora conta que mesmo após a demissão e o acordo já foi firmado entre ela e o braço brasileiro de uma empresa de telefonia móvel italiana, o gerente continuou a repercutir o caso no grupo de WhatsApp da equipe, do qual o namorado dela fazia parte até recentemente.

"Meu namorado teve um surto porque não via uma postura efetiva da empresa contra os agressores. Aí, perdeu a cabeça e quebrou vários equipamentos lá dentro. Foi demitido por justa causa também", disse.

Anna Paula Oliveira integrou a equipe por dois anos e oito meses. Nesse período, alega ela, passou por várias situações constrangedoras. Após denúncia, recebeu inúmeros contatos nas redes sociais de mulheres que já haviam sido assediadas pelo mesmo gerente.

"A empresa é muito machista. Depois do meu desabafo nas redes sociais, eu recebi vários directs de pessoas que passaram por isso. Eu tinha muito medo de denunciar por causa da posição hierárquica. Ele era gerente geral e bem conceituado. As coisas se repetiam. Ele tinha certeza de impunidade. Para ter uma ideia, ele pedia indicação de vendedoras e quando via as fotos, dava zoom nas pernas das moças. Contratava pela beleza."

"Só escapei porque gritei por ajuda", lembra a vendedora Anna Paula Oliveira - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
"Só escapei porque gritei por ajuda", lembra a vendedora Anna Paula Oliveira
Imagem: Arquivo pessoal

"Sempre foi cheio das brincadeiras sem graça, sem noção. Até que um dia antes de eu sair de férias, ele e outro funcionário me prenderam na copa e começaram a me agarrar. Eu só escapei porque gritei por ajuda", relembrou.

MP mudou denúncia para estupro

A advogada criminal Karen Pesenti assumiu o caso de Anna Paula Oliveira. A Universa, a defensora contou que o inquérito já foi avaliado pelo Ministério Público e enviado à Justiça do Rio. Segundo ela, o vendedor e o gerente geral são acusados de tentativa de estupro.

"Antes era assédio, mas a denúncia do Ministério Público mudou para estupro tentado. Para mim, é consumado. Pois o estupro deixou de ser caracterizado apenas com a penetração faz tempo. E tudo o que ela passou? Ele a apertou, constrangeu... Ela teve que gritar por ajuda. Foi premeditado", apontou a jurista.

A advogada revelou que pedirá a alteração da tipificação criminal ao longo do processo. "Minha intenção é que eles respondam por estupro, mas não tentado e sim consumado. Vou fazer uma solicitação e fundamentar", ressaltou.

Os acusados não tiveram as identidades reveladas. Por este motivo, a reportagem não conseguiu acesso a seus respectivos advogados para ouvir suas versões. Caso se posicionem, a matéria será atualizada.

Entenda o caso

Após denunciar um caso de violência sexual sofrido por ela dentro de uma loja de uma empresa de telefonia móvel, Anna Paula Oliveira foi demitida por justa causa. Inicialmente, ela havia denunciado apenas aos canais internos da empresa.

Em um desabafo que viralizou nas redes sociais, Ana Paula contou que sofreu várias investidas do gerente geral da empresa. O assédio tomou tamanha proporção que, um dia antes de ela tirar férias, o gerente e um vendedor se trancaram com ela em uma copa e a agarraram.

Anna Paula foi salva por uma colega de trabalho que a ouviu pedir socorro. Após a repercussão do caso, a empresa procurou a ex funcionária e fechou um acordo trabalhista.

Já na esfera criminal, os agressores foram denunciados a Justiça do Rio de Janeiro por tentativa de estupro.

Como denunciar violência sexual

Vítimas de violência sexual não precisam registrar boletim de ocorrência para receber atendimento médico e psicológico no sistema público de saúde, mas o exame de corpo de delito só pode ser realizado com o boletim de ocorrência em mãos. O exame pode apontar provas que auxiliem na acusação durante um processo judicial, e pode ser feito a qualquer tempo depois do crime. Mas por se tratar de provas que podem desaparecer, caso seja feito, recomenda-se que seja o mais próximo possível da data do crime.

Em casos flagrantes de violência sexual, o 190, da Polícia Militar, é o melhor número para ligar e denunciar a agressão. Policiais militares em patrulhamento também podem ser acionados. O Ligue 180 também recebe denúncias, mas não casos em flagrante, de violência doméstica, além de orientar e encaminhar o melhor serviço de acolhimento na cidade da vítima. Denúncias de todos os tipos de violações de direitos humanos podem ser registrados pelo WhatsApp (61) 99656-5008.

Os crimes de violência doméstica podem ser registrados em qualquer delegacia, caso não haja uma Delegacia da Mulher próxima à vítima. Em casos de risco à vida da mulher ou de seus familiares, uma medida protetiva pode ser solicitada pelo delegado de polícia, no momento do registro de ocorrência, ou diretamente à Justiça pela vítima ou sua advogada. A vítima também pode buscar apoio nos núcleos de Atendimento à Mulher nas Defensorias Públicas, Centros de Referência em Assistência Social, Centros de Referência de Assistência em Saúde ou nas Casas da Mulher Brasileira. A unidade mais próxima da vítima pode ser localizada no site do governo de cada estado.