Topo

'Tão calmo que é estranho': elas voltaram a namorar após relação abusiva

"Hoje consigo ver que briga não tem nada a ver com o amor", diz Mayara que vive uma relação saudável e mora com o marido na França - arquivo pessoal
"Hoje consigo ver que briga não tem nada a ver com o amor", diz Mayara que vive uma relação saudável e mora com o marido na França Imagem: arquivo pessoal

Mariana Toledo

Colaboração para Universa

30/07/2021 04h00

Na última semana, a atriz Duda Reis participou do podcast das influencers Tata Estaniecki e Bruna Unzueta, o "Pod Delas", e deu mais detalhes sobre seu relacionamento com o empresário Bruno Rudge, irmão da influencer Lala Rudge, com quem está há cerca de quatro meses. "A gente é muito acostumado a crescer com relações de muitos altos e baixos e, quando estamos em uma relação calma, a gente estranha", desabafou a atriz.

Duda namorou por três anos com o cantor Nego do Borel, de quem ela se separou em dezembro do ano passado. Em janeiro deste ano, ela revelou que viveu um relacionamento abusivo. "Você sai destruída de uma relação abusiva. Às vezes, só vai enxergar tempos depois.", disse Duda. Assim como ela, milhares de mulheres são vítimas de relações abusivas antes de entrarem em um namoro saudável. E elas também relatam que nem sempre é fácil se confiar em novos parceiros.

"Quando estamos em uma relação calma, a gente estranha"

Para a psicóloga e pós-graduanda em psicopedagogia Teresa Fagundes, esse "estranhamento" que Duda relatou sentir nessa nova relação é supernormal: "Depois de vivenciar um relacionamento conturbado, um relacionamento saudável pode, sim, ser estranho. Não é a referência que ela teve. É um processo de reaprender o significado e o sentido do amor mesmo", explica a psicóloga em entrevista para Universa.

E isso pode acontecer até com quem não passou por uma experiência traumática. "A maioria das vítimas de relacionamentos abusivos são mulheres. Se a gente for pensar, desde pequenas somos ensinadas a correr atrás de um príncipe encantado. Os modelos de amor que nos apresentam são contos de fadas ou aqueles contados nas novelas e nas músicas. São referências que carregam traços abusivos e tudo isso é ensinado como se fosse o normal. Aprendemos que o amor é assim", acrescenta Teresa.

Mayara Tricárico, 30, é casada e, hoje, vive uma relação saudável e mora com o marido na França, em Vincennes, cidade natal dele. Mas, no passado, um relacionamento abusivo fez parte de sua vida por quase um ano. "Quando eu estava nesse relacionamento, não percebia que ele era abusivo", diz, reforçando o que Duda falou sobre só ganhar consciência sobre isso tempos depois.

"Achava que abusos estavam ligados só à agressão física, não me ligava no lado emocional da coisa. E desde o início aquela relação foi abusiva. Para resumir, ele fazia comentários desagradáveis sobre o meu corpo, ficava de gracinhas com outras garotas, por muitas vezes foi agressivo, tinha crises de ciúme bizarras e vivia querendo mudar coisas em mim. Mas depois me elogiava e era carinhoso. Era um eterno morde e assopra. Eu levava as coisas ruins como brincadeira, dava desculpas para mim mesma", relembra.

Ela também estranhou estar numa relação saudável, no começo: "Filmes, séries e livros sempre mostram que relacionamentos de verdade têm grandes altos e baixos, são intensos demais o tempo todo. O casal briga feio, depois volta, vive nesse drama. Isso influencia não só as mulheres, mas os homens também.

Quando tudo está calmo, a gente se pergunta: "Será que isso é amor mesmo? Será que estamos realmente apaixonados?'.

Acho que isso está muito relacionado ao que é mostrado pra gente como sociedade. Hoje em dia, consigo ver que briga não tem nada a ver com o amor. Esse tipo de relacionamento só machuca".

"Bom demais para ser verdade"

Amanda Predebon, 31, foi vítima de um relacionamento abusivo que passou por diferentes fases, como manipulação, invalidação de suas opiniões, julgamento de suas atitudes, traições, abusos psicológicos e até físicos. - arquivo pessoal - arquivo pessoal
Amanda demorou conseguir se entregar a um novo relacionamento
Imagem: arquivo pessoal

A gerente de marketing Amanda Predebon, 31, foi vítima de um relacionamento abusivo que passou por diferentes fases, como manipulação, invalidação de suas opiniões, julgamento de suas atitudes, traições, abusos psicológicos e até físicos. Atualmente, ela namora e está feliz, mas confessa que, no começo desta nova relação, teve vontade de fugir ou até terminar:

Quando eu finalmente encontrei um relacionamento saudável, estranhei. Automaticamente minha cabeça me dizia que, se as coisas estavam tão boas e aparentemente sem problemas, então na verdade havia algo de errado.

"Somos culturalmente ensinadas que relacionamentos precisam de brigas e conquistas difíceis para que no final eles 'deem certo'. Mas a verdade é que ninguém precisa batalhar por um amor de verdade. Um amor saudável é simplesmente o oposto disso: ele vem suave, sem brigas ou dramas e com muita cumplicidade".

Relação abusiva deixa marcas

É natural que quem esteve em uma relação tóxica carregue alguns traumas consigo. "Eu saí daquele relacionamento completamente perdida, insegura e muito ansiosa. Não confiava em mim mesma, muito menos nos outros. Fiquei por muito tempo me sentindo culpada, pensando o que eu tinha feito de errado e como evitaria que isso acontecesse de novo", confessa Mayara.

Para Amanda, também não foi fácil: "Após o término, eu estava com a autoestima totalmente baixa e sem autoconfiança nenhuma - o que me influenciava muito na hora de pensar em futuras relações. Além de ter medo de entrar em outra relação abusiva, simplesmente não acreditava mais na possibilidade de uma relação saudável", conta. Ela revela que a experiência traumática abalava novos relacionamentos em diversos aspectos. "Não tive coragem de transar com outras pessoas logo de cara. Tinha vergonha de tirar a roupa e medo de, em algum momento do ato, ouvir ofensas como as que recebia antes. Não saberia como reagir".

Vivian Sad contou com ajuda de terapia para voltar a se relacionar novamente - arquivo pessoal - arquivo pessoal
Vivian Sad contou com ajuda de terapia para voltar a se relacionar novamente
Imagem: arquivo pessoal

A técnica em Segurança do trabalho Vivian Sad, 31, demorou anos para conseguir sair de uma relação abusiva cheia de idas e vindas. "É muito difícil confiar em outra pessoa depois de uma experiência assim. Eu tinha certeza que passaria por tudo aquilo de novo. Mas, ao mesmo tempo, sempre me achei merecedora de alguém bacana e, junto da minha terapeuta, enfrentei todas as minhas dores e traumas. Hoje estou numa relação completamente diferente, mas sigo fazendo terapia. Acredito que seja o melhor caminho para manter meu coração leve", observa. "Mas no começo foi bem difícil. Eu havia me tornado uma pessoa mais agressiva, insegura e desconfiada de tudo".

"Os traumas de uma relação abusiva são como feridas, cicatrizes no nosso corpo - a gente pode até colocar um band-aid e passar uma maquiagem para disfarçar, mas elas continuam ali. Fazem parte da nossa história", compara a psicóloga Teresa Fagundes.

Mas, segundo a especialista é possível ressignificar experiências. "A partir do que aconteceu, a pessoa tem uma bagagem que a permite identificar sinais amarelos e vermelhos em uma nova relação, isto é, coisas que ela já sabe que não são legais. Assim como os sinais verdes, com as coisas que são gostosas de sentir. Mas é importante identificar esses sinais sem se armar, sem viver esperando algo de errado acontecer. É entender que, sim, sinais amarelos servem para deixar a gente alerta, mas não podemos viver esperando esse sinal".

Trabalhar a autoestima é importante para virar a página

A psicóloga afirma que, no processo de superação de um relacionamento abusivo, é muito importante trabalhar a autoestima: "É um processo que envolve voltar a ter amor-próprio e a se sentir autossuficiente. Compreender que a próxima relação deve vir para somar, e não para tomar conta da sua vida". Ela avalia que, neste caminho, é fundamental contar com uma rede de apoio - colegas, amigos, familiares - e também fazer terapia. "Não é fácil, mas é possível". E ressalta: "O melhor meio para superar é seguir vivendo. Se abrir para novas experiências". Assim como essas mulheres fizeram.

Vivian conta que a maior lição que o relacionamento abusivo lhe deu foi compreender que um casal, para "dar certo", precisa ter em mente que são duas pessoas, cada uma com a sua vida. E que ela tem espaço para fraquejar e ser quem é que, mesmo assim, seu parceiro continuará ao seu lado.

Amanda assume que só com o tempo e muita terapia conseguiu criar confiança e retomar sua autoestima perdida. "Tive que ressignificar o que seria um relacionamento saudável e o que poderia vir com ele para então, começar a me relacionar novamente. É um passinho de cada vez", pontua. "No meu caso, nós duas tivemos relacionamentos abusivos e isso nos uniu muito em relação ao que não queríamos. O melhor remédio tem sido respeitar a insegurança uma da outra, entender de onde essas desconfianças vêm, conversar sobre as feridas e ressignificar as dores. Só então a gente consegue seguir juntas, aceitando o que houve e reconstruindo o que acreditamos ser um relacionamento saudável e respeitoso".

Mayara, por sua vez, diz que até hoje trabalha para entender que relacionamentos não são iguais, que as pessoas não são iguais. "É um exercício diário reforçar para mim mesma que eu tenho meu valor e que quem estiver comigo deve gostar de mim pelo que eu sou. Meu marido me ajuda a trazer o que eu tenho de melhor à tona e hoje sei que é assim que uma boa relação tem de ser. E que é possível confiar outra vez".