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"Por que você ficou careca?": desafios das mulheres que sofrem com alopecia

Yasmin escondeu a queda dos fios por anos. Hoje usa as redes sociais para incetivar outras mulheres com alopecia a se aceitar - Acervo pessoal
Yasmin escondeu a queda dos fios por anos. Hoje usa as redes sociais para incetivar outras mulheres com alopecia a se aceitar Imagem: Acervo pessoal

Ana Bardella

De Universa

08/07/2021 04h00

Yasmin Martinez, de 28 anos, estava passeando no shopping ao lado de um amigo, quando um rapaz desconhecido veio correndo atrás dos dois. Quando os alcançou, cutucou as costas dela para perguntar: "Você fez isso com o seu cabelo porque você quis?". Ela respondeu que sim. Sem graça, ele virou as costas e foi embora.

Desde que perdeu os cabelos, aos 10 anos, a publicitária, de São Paulo (SP), já presenciou todo tipo de reação: das mais diretas e desrespeitosas, até olhares sutis de reprovação. Diagnosticada com alopecia universal na infância — doença que causou a queda da maior parte dos pelos do seu corpo em um intervalo de dois meses — ela não considerava a perda dos fios um problema, até se deparar com o preconceito.

A publicitária evitava falar sobre a alopecia até mesmo para os namorados - Acervo pessoal - Acervo pessoal
A publicitária evitava falar sobre a alopecia até mesmo para os namorados
Imagem: Acervo pessoal

Na escola, pais de amigos pensaram que poderia se tratar de uma doença contagiosa e pediram aos filhos que se afastassem. Alguns chegaram a mudar as crianças de turma para mantê-los longe.

A rejeição fez com que Yasmin se enxergasse diferente. "Na puberdade, passei por um processo de não aceitação e depressão", conta. Foi nesta fase que começou a usar perucas.

"Passei quase uma década escondendo a falta de cabelo de todos que eu conhecia. Eu não falava sobre o assunto com ninguém, nem mesmo com os meus namorados"

Certa vez, um dos rapazes com o qual se envolveu descobriu sobre sua condição e teve uma reação negativa. "Foi uma cena de muito constrangimento e, em vez de receber apoio dele, brigamos feio. Isso impactou diretamente na minha autoestima: eu já entrava nas relações achando que estava um patamar abaixo dos meus parceiros", avalia.

Mesmo fazendo terapia, foi um caminho longo até que ela conseguisse tocar no assunto publicamente. Depois de muitas avaliações médicas, a conclusão dos profissionais foi de que a doença se desenvolveu por questões emocionais. "Eu mapeava possíveis causas, mas não conseguia elaborar uma resposta coesa sobre o que, de fato, desencadeou a alopecia. Com essa ferida em aberto, me culpava e achava que poderia ter feito algo de diferente, algo para evitar", aponta.

O cenário só mudou no final de 2017, quando decidiu postar uma foto sem peruca nas redes sociais. Foi então que percebeu que poderia ajudar outras pessoas que sofrem de alopecia. Hoje, Yasmin compartilha posts em seu Instagram falando abertamente do assunto e estimulando a autoestima de quem se identifica com ela.

"Cabeleireiras juram que vão resolver meu problema com shampoo antiqueda"

A estudante Pamella Kerolayne, de São Paulo (SP), de 28 anos, reparou na adolescência que seus fios estavam caindo mais do que de costume, e, aos 17 anos, procurou um dermatologista do plano de saúde para se consultar. "Fiz exames e até uma biópsia, que constataram uma alopecia androgenética, ou seja, que acontece por questões hereditárias", relembra.

A partir de então, começou um tratamento envolvendo uso de loções e de medicações a fim de controlar o problema. "Infelizmente, no meu caso, mesmo tomando essas medidas, não era o suficiente. Meu cabelo — que era cacheado, volumoso e que eu gostava de usar como black power — foi se tornando cada vez mais fino e com o couro cabeludo evidente", avalia.

A questão foi delicada para sua autoestima. "Uma vez, na escola, eu estava sentada e uma menina da sala estava de pé, perto de mim. Depois de ver a minha cabeça, ela começou a rir, pegou uma caneta e bateu de leve, perguntando se eu sentia dor. Na hora, nem entendi, só depois percebi que era uma gozação, por eu ter menos cabelo", diz.

Pamella prefere usar os fios presos, a fim de disfarçar as falhas do couro cabeludo - Acervo pessoal - Acervo pessoal
Pamella prefere usar os fios presos, a fim de disfarçar as falhas do couro cabeludo
Imagem: Acervo pessoal

Além disso, até hoje Pamella se sente uma "atração" quando vai a um salão de beleza, mas fala do assunto de forma bem-humorada. "A primeira reação do cabeleireiro ou profissional do salão sempre é perguntar o que eu tenho. Em seguida, chamar outros funcionários para ver o meu caso. Depois, o mais comum é indicar um shampoo antiqueda, como se fosse uma fórmula mágica, que vai resolver meu problema", conta. Atualmente, a estudante só usa os fios presos, a fim de disfarçar o couro cabeludo - e afirma que isso tem consumido seu tempo e a energia.

Passo mais tempo na frente do espelho checando meus penteados do que escolhendo uma roupa bonita ou me maquiando. Acredito que em algum momento vou preferir raspar e usar uma peruca"

Hoje, Pamella acha importante falar sobre a alopecia nas redes sociais para que mais pessoas entendam do que se trata. Ela faz desabafos e até vídeos bem-humorados sobre o tema.

Alopecia: conheça os principais tipos, sintomas e tratamentos

Nem todos os tipos de alopecia resultam na perda total dos fios. Marina Barletta, dermatologista da Sociedade Brasileira de Dermatologia e membro da AHRS (Sociedade Americana de Pesquisa em Cabelo), explica que este é um termo "guarda-chuva", usado para caracterizar qualquer perda anormal de cabelo — mas que existem diversos tipos de alopecia.

"Entre os tipos mais comuns estão a androgenética (conhecida como calvície feminina, que causa afinamento dos fios e ocorre por predisposição hereditária), a aerata (um tipo autoimune, no qual o próprio organismo destrói folículos capilares, o que resulta no aparecimento de placas sem cabelo no couro cabeludo), além da fibrosante frontal, na qual o paciente vai perdendo mechas de cabelo da região próxima a testa", afirma. Cada tipo possui uma causa diferente.

Os sintomas parecem simples de serem identificados, mas podem gerar confusão, uma vez que o paciente pode demorar a perceber que a perda de cabelo está acentuada. Marina relembra que perdemos, em média, de 100 a 120 fios de cabelo por dia sem que isso signifique um problema. No entanto, para quem sofre de alopecia, esse número pode ser muito maior.

"Não é normal, por exemplo, acordar e perceber a presença de vários fios no travesseiro. Vale monitorar se existe um aumento na quantidade de fios perdidos depois da escovação e do banho. Também é possível fazer uma leve tração de uma mecha, como se estivesse puxando sem aplicar muita força, a fim de perceber se saem muitos fios na mão. Caso a resposta for positiva, o ideal é procurar um dermatologista especialista em tricologia", orienta.

No caso de o diagnóstico ser positivo, o tratamento varia de acordo com o tipo de alopecia — porém, em muitos casos, ele é feito através de um medicamento que aumenta a circulação sanguínea, que pode ser ingerido via oral, aplicado no couro cabeludo ou injetado.