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Umbigo de fora: hit em Londres impõe reflexão sobre foco no corpo feminino

Looks da marca Supriya Lele na Semana de Moda de Londres - Reprodução/Instagram
Looks da marca Supriya Lele na Semana de Moda de Londres Imagem: Reprodução/Instagram

Natália Eiras

Colaboração para Universa

01/10/2020 04h00

Calça de boca larga e cintura baixa combinada com top mínimo, deixando a barriga completamente de fora. Este poderia ser um visual usado por Britney Spears ou Christina Aguilera no início dos anos 2000, mas é, na realidade, um dos looks desfilados há poucos dias na Semana de Moda de Londres em pleno 2020.

No ano em que o mundo entrou em isolamento social, academias fecharam por conta de uma pandemia e a comunidade médica faz alertas de risco da saúde mental da população mundial, a barriga de fora se fortalece como uma tendência do mundo da moda e em eventos como o tapete vermelho de premiações como o VMA, cuja edição deste ano teve Bella Hadid com o umbigo de fora. Mas será que existe espaço para a barriga chapada no mundo que vivemos hoje?

Bella Hadid no VMA - Jeff Kravitz/MTV VMAs 2020/Getty Images for MTV - Jeff Kravitz/MTV VMAs 2020/Getty Images for MTV
Bella Hadid escolheu um top com transparência e umbigo à vista para o VMA deste ano
Imagem: Jeff Kravitz/MTV VMAs 2020/Getty Images for MTV

A historiadora Luciana de Almeida, autora da tese "Os sentidos das aparências: invenção do corpo feminino em Fortaleza (1900-1959)", lembra que o umbigo, no começo dos anos 2000, era protagonista no look feminino. Seja por causa das cantoras pop ou por conta da popularidade da novela "O Clone", que foi ao ar na Globo em 2001.

"Haviam muitas correntinhas, cintos para enfeitar a barriga, e os piercing, que se tornaram um anticlássico da época", fala a especialista. Na virada do século, o furo no umbigo era tão socialmente aceito que as joias não costumavam se resumir a argolinhas e bolinhas, mas em acessórios cheios de strass e penduricalhos. "Ele, com certeza, atraía muito olhares."

Porém, não começamos a colocar a barriga de fora por causa de Britney Spears e Christina Aguilera. "Na verdade, esse umbigo em destaque surgiu nos anos 1960 e 1970, com o movimento hippie", lembra Luciana. Com o passar dos anos, o umbigo foi escondido e veio à tona em diversos momentos da história da moda. "Mas ele surge de formas diferentes, por conta do avanço da tecnologia estética, principalmente."

Todo umbigo vai ter espaço?

Nos últimos anos, as blusas cropped ganharam espaço nos guarda-roupas brasileiros juntinho com calças de cós alto, expondo uma área do abdômen menos, digamos, polêmica —combinação que deixa à vontade uma parcela muito maior de corpos.

A criadora de conteúdo Naetê Andreo, 26, nunca gostou de sair com a barriga de fora. "Tinha um complexo com o meu umbigo, não gostava dele. Então nunca o usei de fora. Além de que, como a calça de cintura baixa deformava meu corpo, apertava meu culote, eu me sentia um panetone", fala.

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Modelo deixa desfile na Semana de Moda de Paris com look esportivo
Imagem: Foc Kan/WireImage
Semana de Moda de Paris 2 - Foc Kan/WireImage - Foc Kan/WireImage
Outra modelo aposta no umbigo à mostra ao chegar para os desfiles de Paris
Imagem: Foc Kan/WireImage

"Comecei a usar a barriga de fora só nos últimos seis ou sete anos, ao vestir cropped com calça de cintura alta, porque modelava meu corpo e eu me sentia mais bonita." Em suas redes sociais, ela fala muito sobre autoestima e não liga de aparecer com looks reveladores. Ainda assim, usar o umbigo de fora não é uma opção, pelo menos por enquanto. "Não deixa eu me sentir confortável. Talvez eu use na praia, não sei."

O fato de sermos bombardeadas com imagens de mulheres com a barriga perfeita torna as pessoas encanadas até mesmo com seus umbigos, parte do corpo que muita gente nem sabe para que serve. Há, inclusive, um tipo de plástica especificamente para torná-lo "mais bonito", isso sem falar em intervenções como a lipoaspiração LAD, feita por Ludmilla e sua mulher, Brunna Gonçalves, para conseguir o tão sonhado abdômen trincado.

Porém, mesmo que os consultórios de cirurgiões estéticos continuem cheios, há também o movimento body positivity, muito forte nas redes sociais. A própria Naetê acredita que terá gente que, mesmo não tendo a barriga negativa, vai apostar na tendência. "Mas acho que vai ser uma coisa muito no nicho de pessoas mais descoladas."

Já Luciana de Almeida pensa que vai ter espaço para tudo. "É possível ter várias coisas acontecendo ao mesmo tempo. Vai ter um segmento de mulheres de vários tamanhos que vão estar com a sua barriga de fora. Mas também vai ter o outro segmento que vai seguir à risca esse padrão, que são mulheres que gostam de ter o corpo do momento."

A historiadora lembra, no entanto, que antes de debater tendência, é importante falarmos de uma discussão mais profunda: a fragmentação do corpo feminino pela indústria. "Teve um momento que o sensual era o rosto e o colo, em outro foram os braços, as mãos. Agora, está voltando a ser a barriga", indica a historiadora.

"O padrão corporal muda como se fossem tendências de Primavera-Verão. E o corpo sempre foi uma forma de controle social da mulher. Porque é preciso disciplina, dieta para manter uma barriga sarada." Em tempos de pandemia, nos traz uma sensação de algo fora do lugar. "Trazer de volta uma tendência da barriga perfeita é, no mínimo, muito cruel."