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Aos 68, faxineira de hospital tem direito, mas não consegue teste pra Covid

A auxiliar de serviços gerais Maria Lucia trabalha em hospital mas não consegue teste rápido para coronavírus - Arquivo pessoal
A auxiliar de serviços gerais Maria Lucia trabalha em hospital mas não consegue teste rápido para coronavírus Imagem: Arquivo pessoal

Luiza Souto

De Universa

29/04/2020 04h00

Maria Lucia dos Santos Gonçalves, de 68 anos, trabalhou como auxiliar de serviços gerais a vida inteira. Somente no Hospital de Santa Cruz, zona oeste do Rio de Janeiro, ela atua há 22 anos. Mas, com suspeita de ter contraído o novo coronavírus, e tossindo sem parar, ela não consegue, nem na própria unidade onde trabalha, fazer um exame para confirmar se tem a Covid-19.

O Ministério da Saúde recomenda o teste rápido a todos os trabalhadores que atuam nos serviços de saúde, não apenas médicos ou enfermeiros. Ou seja: auxiliar em serviços gerais que atua em hospital também tem esse direito. Ele é indicado, porém, apenas entre o sétimo e décimo dia do início dos sintomas, como febre e tosse.

Já os testes de biologia molecular, que identificam o vírus que provoca o coronavírus logo no início, são feitos para diagnosticar casos graves internados. Isso porque o Brasil e outros países que estão lutando contra a doença não têm uma estrutura laboratorial de testagem em massa.

Moradora de Santa Cruz, um dos piores indicadores de pobreza do Rio de Janeiro, Maria Lucia começou a tossir há cerca de duas semanas. Ela mal consegue concluir uma frase. Foi a filha dela, Cristina Gonçalves, de 48, quem conversou com Universa.

Auxiliar de serviços gerais em hospital não consegue teste rápido para coronavírus - A filha de Maria Lucia pagou R$ 400 para conseguir fazer o teste na mãe - A filha de Maria Lucia pagou R$ 400 para conseguir fazer o teste na mãe
Imagem: A filha de Maria Lucia pagou R$ 400 para conseguir fazer o teste na mãe

Médico mandou voltar ao trabalho em dois dias

A artesã conta que, no último dia 13 de abril, a mãe chegou para trabalhar aparentemente gripada. Ela passou por um médico da unidade, que lhe receitou xarope para alívio dos sintomas de gripes e resfriados, e também um para dor e febre, e pediu que a profissional ficasse dois dias em casa, de licença médica.

"No momento em que o médico estava prescrevendo o atestado de dois dias, minha mãe avisou que fazia parte do grupo de risco. Foi quando ele, com sarcasmo, perguntou se ela queria ir para uma colônia de férias, e, não estando satisfeita, que procurasse seus superiores, sugerindo que ela estava aproveitando da pandemia para ficar em casa", diz Cristina.

"Ele falou com tom de quem estava duvidando dos sintomas que ela estava apresentando. Minha mãe então foi para a casa onde mora com meu pai e achamos melhor nem abraçá-la."

Logo depois, ela atentou para o fato de que a mãe recebia apenas uma máscara para trabalhar por um período de 8 horas. A recomendação é que o uso da máscara não seja feito por mais de duas horas ou após a pessoa sentir que a peça está úmida.

Passados os dois dias de repouso, Maria Lucia voltou à unidade, ainda com tosse intensa e dor de cabeça. Cinco dias depois, uma outra médica percebeu que a idosa não parecia bem e a encaminhou para a área reservada para Covid-19, dizendo que a funcionária não poderia trabalhar com aqueles sintomas, e solicitou a realização de uma tomografia.

Ali, o profissional que fez o exame de imagem identificou manchas em seu pulmão e sugeriu que Maria Lucia estivesse com o coronavírus e pneumonia.

"De novo, não testaram para o coronavírus, mas a médica receitou o Tamiflu (antiviral indicado para tratar H1N1 em casos graves), e deu sete dias para ela ficar em casa. Achei estranho, porque, mesmo sem resultado e com toda essa pandemia, o certo seriam 15", atenta Cristina.

O Ministério da Saúde, em seu portal, orienta: "Se você está com sintomas de gripe, fique em casa por 14 dias e siga as orientações do Ministério da Saúde para o isolamento domiciliar". O órgão pede ainda que o paciente procure um hospital somente quando começar a sentir falta de ar.

Outro problema que a família passou foi encontrar o Tamiflu. "Ficamos à procura da medicação por cinco dias. Não havia nem na rede pública ou nas farmácias. Depois de muito procurarmos, conseguimos uma caixa por R$ 320. Minha mãe piorou muito durante esse tempo", diz Cristina.

Conseguiu atestado em outro hospital

Segundo a artesã, sua mãe seguiu em casa e logo depois apareceram as dores de cabeça e no corpo, além de cansaço e diarreia. Preocupada, e com um pai de 75 anos, ela resolveu levar a mãe, no último dia 23, em outro hospital, o HCE (Hospital Central do Exército), para tentar fazer o teste. Também não conseguiu.

Ela diz que a unidade está dando preferência para pacientes internados. Ali, porém, a profissional da saúde que atendeu a idosa lhe deu os 15 dias de isolamento.

A mãe de Cristina segue com dor de cabeça, fraqueza e diarreia. A tosse é persistente. Na manhã desta terça (28), Cristina buscou um laboratório privado e desembolsou R$ 400 para realizar um teste e, enfim, saber se a mãe tem o coronavírus. O resultado deve sair no sábado, dia 2.

"Minha mãe agora só voltará ao trabalho se estiver 100%", pontua Cristina.

Hospital diz que seguiu protocolo

Por e-mail, o Grupo Cemeru, que administra o Hospital Santa Cruz, informa que segue rigorosamente a orientação do Ministério da Saúde. Antes de apontar que Maria Lucia não apresentava nenhum outro sintoma da Covid-19 senão tosse, a nota assinada pelo gerente administrativo da unidade destacou os principais sinais da doença, entre eles "sintomas respiratórios do trato superior".

Atenta ainda que o período de incubação do vírus é estimado em cinco a seis dias e salienta que, mesmo assim, "por orientação médica e por se tratar de funcionária do hospital e pessoa pertencente ao grupo de risco, foi prescrito o Tamiflu, o isolamento social e acompanhamento médico".

No e-mail, informa ainda que a testagem é feita somente para pacientes em estado grave, por orientação do Ministério da Saúde. E que a indicação nos testes rápidos é exclusiva, neste momento, para profissionais de saúde ativos, profissionais de segurança e familiares e idosos sintomáticos — com quadro respiratório agudo, sensação febril ou febre, acompanhada de tosse, dor de garganta, coriza ou dificuldade respiratória.

A unidade não responde por que não deu os 15 dias para a paciente, como também recomenda o governo. Nem quantos funcionários foram infectados pelo vírus.

Universa perguntou ao Ministério da Saúde se o profissional que trabalha em hospital, independentemente de ser faxineira, recepcionista ou possuir qualquer outra função, teria direito de fazer o teste rápido. A assessoria do órgão respondeu: "A recomendação do uso de testes rápidos, no caso da saúde, se aplica a todos os trabalhadores que atuam nos serviços, e não apenas a médicos ou enfermeiros".