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Violência doméstica cresce em pandemia, mas abrigo não acolhe vítimas em SP

Fachada do prédio na rua Bacelar, Vila Clementino, na zona sul de São Paulo: Casa da Passagem não abriga vítimas de violência - UOL
Fachada do prédio na rua Bacelar, Vila Clementino, na zona sul de São Paulo: Casa da Passagem não abriga vítimas de violência Imagem: UOL

Marcos Candido

De Universa

24/04/2020 04h00

Um alojamento originalmente criado para vítimas de violência doméstica em São Paulo tem sido criticado por grupos de defesa da mulher por não cumprir a função prometida para o imóvel, que foi orçado em R$ 2,6 milhões.

A preocupação surge em um momento de isolamento social que aumentou em 44,9% o número de atendimentos da Polícia Militar a mulheres vítimas de violência doméstica no estado de São Paulo, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

A chamada Casa de Passagem abriga mulheres e familiares que precisam sair de seus lares o mais rápido possível para evitar agressões físicas. O espaço serve, por exemplo, para abrigar uma vítima pelas 48 horas em que ela pode aguardar por uma medida protetiva de urgência da Justiça.

Segundo dados do projeto elaborado pela prefeitura de São Paulo, a unidade na Vila Clementino tem capacidade para cinco famílias de forma simultânea.

De acordo com integrantes do Conselho Municipal de Políticas para Mulheres, o local está sendo utilizado para abrigar mulheres em situação de rua durante a pandemia do novo coronavírus.

O grupo não se opõe ao uso do espaço seja utilizado para esse fim durante o isolamento social, mas há preocupação com o destino destino da Casa de Passagem após o fim da pandemia.

"Se for um atendimento temporário para o enfrentamento da pandemia, tudo bem. Mas é preciso ficar bem combinado e definido, com compromisso assumido pela prefeitura. Caso contrário, o impacto pode ser mais um desmonte no que seria o primeiro serviço de casa provisória [para atender vítimas de violência doméstica diretamente pela prefeitura]", pontua Denise Motta Dau, ex-secretária municipal de Políticas para as Mulheres, na gestão de Fernando Haddad.

"Ainda mais se levarmos em conta que a violência contra a mulher esteja aumentando durante o período de isolamento social", diz Denise, que hoje é secretária sub-regional da Internacional dos Serviços Públicos (ISP) para o Brasil, instituição que fiscaliza serviços públicos no mundo.

O que diz a prefeitura

Em nota, a Prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (SMDHC), informa que serão abertas inscrições para que instituições possam gerir a Casa de Passagem até o fim deste ano. Desde o 27 de março, a pasta cedeu o espaço, em caráter emergencial e excepcional, para atender mulheres em situação de rua com diagnóstico ou suspeita de coronavírus.

A prefeitura afirma que houve diminuição de 60% nas buscas por alojamentos municipais durante o isolamento social por vítimas de violência doméstica, mas que, caso a demanda aumente, o imóvel que abriga hoje 38 pessoas terá seu uso revertido para o atendimento para o qual foi originalmente idealizado.

"A cessão emergencial da Casa de Passagem em função da pandemia não afeta o atendimento às mulheres em situação e em risco de violência, uma vez que todos os serviços mantidos pela administração municipal estão em funcionamento", afirma.

E reforça: "Nenhuma mulher que buscou atendimento nos equipamentos da Prefeitura deixou de ser acolhida pelos serviços por indisponibilidade de vaga".

A pasta explica também que todos os 12 serviços da SMDHC continuam em pleno funcionamento: os quatro Centros de Referência, os cinco Centros de Cidadania da Mulher (das 10h às 16h), a Casa da Mulher Brasileira (24 horas por dia, inclusive sábados e domingos), e as Casas de Abrigo e de Acolhimento Provisório.

"Quanto aos equipamentos de atendimento à mulher em situação de violência pertencentes à Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS), as mulheres podem buscar apoio também nos 15 Centros de Defesa e Cidadania da Mulher (CDCMs) e nos 5 Centros de Acolhida Especial, que são abrigos sigilosos para atendimento às mulheres."

Casa de Passagem nem havia sido inaugurada

A primeira Casa de Passagem paulistana para mulheres foi anunciada ainda na prefeitura de Fernando Haddad (PT), em 2013. A construção só foi finalizada em 2018 com o prefeito Bruno Covas (PSDB). Até novembro de 2019, o local ainda não havia sido inaugurado. Na ocasião, vizinhos relataram somente a presença de seguranças.

A Casa de Passagem fica ao lado do Centro de Referência da Mulher Casa Eliane de Grammont, um dos espaços mais antigos de atendimento às vítimas de violência doméstica na cidade. O centro foi criado na década de 1990, ainda na gestão da ex-prefeita Luiza Erundina. O nome é uma homenagem à cantora Eliane de Grammont, assassinada pelo ex-marido, o cantor Lindomar Castilho, em 1981. Hoje, o local dá apoio psicológico a mulheres agredidas.

Em 2015, a prefeitura reformou a Casa Eliane de Grammont e prometeu a construção da Casa de Passagem no terreno ao lado. A iniciativa contou com o apoio do governo federal, à época sob comando da presidente Dilma Rousseff. A casa teve a obra iniciada em 2016 e paralisada pela construtora, que pediu um prazo maior e mais R$ 150 mil para retomar as obras. Há cerca de um ano, a construção foi concluída.

Segundo a Lei Maria da Penha, a mulher vítima de violência doméstica tem direito a ser afastada do agressor e abrigada em um local protegido pelo Estado. Existem três de tipos de abrigo: a Casa da Mulher Brasileira, a Casa Abrigo (com endereço sigiloso) e as chamadas casas de passagem. As vítimas podem ser encaminhadas a uma destas enquanto aguardam atendimento de uma medida protetiva de urgência, documentação ou prisão do suspeito.

Cidade tem histórico de atrasos em obras para atender mulheres

Projetos para proteção às mulheres vítimas de violência têm sofrido com histórico de atrasos em São Paulo. Prometida para 2014, a Casa da Mulher Brasileira, no Cambuci, região central da cidade, só foi inaugurada no último dia 11 de novembro, após falta de repasses do governo federal e desistência de construtoras envolvidas no projeto.

Damares Alves, ministra do governo Bolsonaro  - Kleyton Amorim / UOL - Kleyton Amorim / UOL
Damares Alves, ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos
Imagem: Kleyton Amorim / UOL

A iniciativa, criada por Dilma Rousseff, é diferente das casas de passagem: une atendimento psicológico, policial, alojamento e até celas para prender suspeitos em flagrante.

Movimentos feministas protestaram durante a inauguração, que teve a presença do governador paulista, João Doria, e de Damares Alves, ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos do governo Jair Bolsonaro.