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De gringo assanhado a date online: uma volta ao mundo com Tinder Passaporte

Função do aplicativo liberada na quarentena possibilita encontrar (e dar match) com pessoas de todo o planeta - Getty Images/iStockphoto
Função do aplicativo liberada na quarentena possibilita encontrar (e dar match) com pessoas de todo o planeta Imagem: Getty Images/iStockphoto

Camila Brandalise

De Universa

21/04/2020 04h00

O comediante Aziz Ansari lançou uma máxima sobre o Tinder em seu livro "Romance Moderno", de 2016, no qual analisa os relacionamentos afetivos na era dos aplicativos. "Não é simplesmente uma gigantesca festa cheia de rostos entre os quais você pode escolher e arrastar para a direita aqueles com quem quer conversar?", perguntou, retoricamente, já concordando com a própria premissa.

Pois essa festa aumentou, e os convidados, agora, são o mundo inteiro. Desde o final de março, o Tinder liberou a função Passaporte, antes válida somente para os planos pagos. O usuário só precisa colocar a cidade que gostaria de estar virtualmente para começar a ver os rostos das pessoas do lugar. Vale qualquer cidade de qualquer país do planeta.

Ok, soa até egoísta chamar o momento em que a gente vive, a maior crise de saúde dos últimos cem anos, de festa. Mas, para quem está em casa esperando a quarentena acabar e rezando para a tragédia ser a menor possível, a função liberada pelo app é um entretenimento e um escape.

Adepta dos aplicativos desde que eles pegaram no Brasil — e aí podemos pensar em uns seis, sete anos —, resolvi testar a ferramenta por curiosidade, tédio e, por que não?, acreditar que posso ter um crush em algum lugar do mundo me esperando assim que os voos internacionais voltarem a decolar normalmente.

O resultado foram muitas conversas sobre a sensação de estar em quarentena, gringos assanhados com uma brasileira e um date com um refugiado curdo na Noruega, a 10 mil quilômetros de distância de mim, via Skype — e que foi surpreendentemente interessante.

Conto mais no texto abaixo. Aperte o cinto.

"Vamos ter uma conversa 'caliente'? Estou há muitos dias fechado em casa"

Meu primeiro match foi em 31 de março. Até domingo (19), foram 48, sendo quem com 20 deles eu interagi. Estive em 18 cidades; fui para os Estados Unidos, Europa, alguns países nórdicos, outros da África, Japão e, por fim, Wuhan, na China, epicentro da pandemia de Covid-19.

Na conta das interações entram também aqueles com quem troquei só uma frase. Principalmente os "assanhados" — que foram vários. Um deles, Joshua, de Los Angeles, já começou a conversa dizendo: "Espero que você tenho um lado safada". Isso às 9h, enquanto eu tomava meu café da manhã. Josh, querido, vai com calma. Disse que não ia rolar e parou por ali mesmo.

Apareceram mais dois com esse papo: um de Madri, querendo uma conversa "caliente" porque estava há muitos dias fechado em casa, e outro, também espanhol, que me pediu dicas de subgêneros de filmes pornô, porque já estava saturado de ver os mesmos.

Em anos usando os aplicativos no Brasil, nunca me aconteceu de um brasileiro chegar com essa abordagem assim, de cara. Ainda para o balaio das reclamações, ouvi de um turco que eu daria uma boa dona de casa porque contei a ele que cozinhava bem. E de um indiano que eu era muito bonita, e tudo que é bonito precisa ser cuidado.

Deu vontade de mandar textão, mas não perdi tempo. No Tinder é assim. Quem quer vai, quem não quer diz: próximo! Foi o que eu fiz.

Pandemia é a nova conversa de elevador da paquera

É engraçado ver como aquelas conversas de sempre dos aplicativos, tipo "de onde você é?" ou "o que você faz?", deram lugar para os papos sobre a quarentena e a pandemia. "Como está no isolamento?", "como estão as coisas no seu país?" e variáveis, incluindo perguntas sobre a situação de saúde da família, foram as questões que mais iniciaram conversas.

De Lagos, na Nigéria, vieram os crushes mais gentis. Um deles tentou me acalmar ao longo do flerte, assim que disse para ele que estava com medo do que poderia acontecer. "Camila, nesse momento, quase todo mundo no universo está frenético", disse. "Fique calma e não enlouqueça, ok?"

Curiosa, perguntei a todos que me deram brecha como estava rolando o controle da pandemia em seus respectivos países. Na Nigéria, estão em distanciamento social, com estabelecimentos fechados, como no Brasil. No Peru, ninguém pode sair de casa, para nada, entre 18h e 4h. Nos países nórdicos, com menos casos, as regras são mais frouxas.

Estava obstinada por saber de alguém de Wuhan, na China, como estavam vivendo a retomada da vida normal pós-epidemia. Dei match com dois — um deles eu sequer sei pronunciar o nome. Você também ficou curioso para saber? Pois não será dessa vez, nenhum dos dois falou comigo. Fuéééén.

Finalmente um date

Me interessei mesmo por dois crushes bem globalizados. Um chef de cozinha da Guiné que mora em Paris, mas está em Tóquio porque foi para lá trabalhar e, agora, com voos cancelados, não tem como voltar para casa. Seguimos o protocolo da paquera: conversamos um pouco, nos demos bem e começamos a nos seguir no Instagram. Mas ficou por isso.

O outro mora em Oslo e é refugiado iraniano. Conhecia as notícias do Brasil, me perguntou sobre as ações do presidente Jair Bolsonaro e sobre minha vida em São Paulo. Depois de dois dias, me convidou para um date online, por chamada de vídeo. Mesmo com cinco horas de diferença, conseguimos dar um jeito de eu beber um vinho no Brasil enquanto ele tomava uma cerveja na Noruega. Conversamos por Skype por duas horas.

Por ele acompanhar o noticiário brasileiro e por ser um interesse meu, passamos boa parte do tempo falando sobre política. Também falamos de direitos humanos, área em que ele atua, e das mulheres, minha área, passando pelo tema aborto — lá, o governo oferece o serviço de interrupção de gravidez gratuitamente para qualquer mulher. Demos risada das desgraças do mundo e da "escuridão norueguesa", já que de novembro a abril, ele disse, o sol pouco aparece. Por fim, trocamos indicações de livros. E eu diria que foi um ótimo primeiro encontro.

"Mas qual o sentido disso?", fiquei me perguntando ao longo e depois do date. A ideia de usar um aplicativo é conhecer alguém com quem vamos nos encontrar pessoalmente, com quem vemos a possibilidade de criar uma conexão, seja ela apenas física ou também afetiva. Por que, então, ficar horas conversando com uma pessoa tão distante que, por mais que possa sonhar com isso, dificilmente vou conhecer pessoalmente?

A única resposta que me vem à cabeça é a mesma dada a mim por outro crush, que também quis que conversássemos por chamada de vídeo e eu perguntei por qual motivo ele queria aquilo: "Por que não?"

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