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"Não aceito violentar meu corpo", diz criadora de projeto sobre vitiligo

Bruna Sanches, criadora do "Minha Segunda Pele" - Andreza Pinheiro
Bruna Sanches, criadora do "Minha Segunda Pele" Imagem: Andreza Pinheiro

Marcelo Testoni

Colaboração para Universa

08/01/2020 04h00

Por anos, a designer Bruna Sanches, 32, sofreu as consequências do vitiligo, doença ainda sem cura, não transmissível e caracterizada pela despigmentação da pele. Só saía de casa maquiada, chegou a pedir demissão e buscou qualquer tipo de tratamento — inclusive os mais agressivos — para se ver livre das manchas claras que só aumentavam por seu corpo.

Depois de superar o drama, ela criou o projeto "Minha Segunda Pele". Dele fazem parte um blog e um canal de Youtube, que têm como objetivo promover a autoestima e a autoaceitação de quem convive com vitiligo e também a conscientização sobre a doença. Criado em 2015, o projeto tem hoje 9 mil seguidores nas redes sociais.

Do drama à superação

O caminho até a aceitação foi longo. Bruna tomou remédios, fez aplicação com laser, com cortisona e até marcou uma cirurgia de enxerto de pele. Tudo começou com o aparecimento de uma mancha no canto da boca, aos 18 anos. "Foi um choque. Chorei por meses, não aceitava viver aquilo. E passei a odiar a pele que habito", diz. Por quase dez anos, ela fez terapia, sentiu vergonha de sua aparência, sofreu preconceito e se enxergou como um "vitiligo ambulante".

Bruna Sanches ajuda outras mulheres a aceitar o vitiligo - Andreza Pinheiro - Andreza Pinheiro
Bruna Sanches ajuda outras mulheres a aceitar o vitiligo
Imagem: Andreza Pinheiro

"Tudo isso foi em vão. Não sou contra buscar tratamento, mas é preciso cuidado. A primeira vez que fiz uma sessão com laser foi uma tragédia, fiquei com a boca completamente ferida. Por esses e outros motivos, comecei a me olhar de outra maneira. Continuo seguindo orientações e cuidados médicos, mas não aceito mais violentar o meu corpo", diz.

Embora as causas do vitiligo ainda sejam incertas, sabe-se que problemas emocionais, como estresse e ansiedade, ao desestabilizarem o sistema imunológico e consequentemente o funcionamento das células, podem contribuir para o aparecimento da doença. O caso de Bruna pode ter sido influenciado por esses fatores, pois, na época, ela estava abalada devido a pressões e humilhações constantes em um emprego do qual se demitiu em seguida.

"Pedi demissão para poder me curar física e também psicologicamente. Mas ficar em casa acabou sendo muito pior, pois comecei a me sentir impotente, a ter problemas de convivência com minha família e a me vitimizar, coisa que nunca tinha feito antes. Foi assim que caiu a ficha de que eu precisava retomar minha vida, pois as manchas continuavam a aparecer", explica Bruna.

Minha Segunda Pele

Bruna Sanches convive com vitiligo  - Andreza Pinheiro - Andreza Pinheiro
Bruna Sanches convive com vitiligo
Imagem: Andreza Pinheiro

Dessa trajetória com o vitiligo, Bruna acabou percebendo que as manchas, tão comuns na natureza, não são imperfeições. Elas apenas destoam do padrão de beleza vigente.

Foi então que, motivada a mudar a percepção das pessoas, criou, em 2015, o projeto "Minha Segunda Pele", que consiste em um blog e um canal de Youtube sobre o assunto. O objetivo é encorajar e conscientizar quem tem vitiligo, em especial mulheres, público que, segundo Bruna, mais sofre cobranças estéticas.

Diariamente, ela recebe agradecimentos e até poemas que ela recebe de diversas mulheres com vitiligo, mas também com diferentes tipos de doenças, tons e marcas de pele. Elas compartilham relatos de como foram ajudadas, venceram a vergonha e aprenderam a aceitar o próprio corpo.

A mineira Glaucia Letícia Rosa, 33, por exemplo, conta como a percepção sobre si mesma mudou. "Depois do vitiligo, eu criei um bloqueio em relação à minha pele. Porém, assistindo aos vídeos do 'Minha Segunda Pele', comecei a entender que minhas manchinhas são parte de mim e sinto que tenho evoluído no processo de aceitação".

Outra seguidora, Viviane de Oliveira Castro, 31, de Goiás, complementa: "A Bruna tem sido a nossa voz. Sempre converso com outras meninas que têm vitiligo e nós nos identificamos com suas histórias".

A importância da rede de apoio

Para Bruna, autoestima é um processo contínuo e a troca de experiências a faz compreender que está numa missão que lhe dá força, sabedoria e um sentido existencial.

"Mulheres que já tentaram o suicídio, que terminaram relacionamentos, que não querem ter filhos por receio de que eles tenham a doença, que não vão à praia... minha mensagem é que vocês precisam sair dessa escravidão. Juntas nós temos mais condições de nos superar e nos ajudar", afirma.

A ideia de criar o projeto surgiu depois que Bruna postou uma foto sua no Facebook com um depoimento sobre autoaceitação. A repercussão foi grande. "O retorno positivo que tive me deu vontade de criar uma rede de apoio, principalmente para as mulheres perceberem que não estão sozinhas, são fortes e precisam lutar e se aceitar do jeito que são", comenta.

Bruna então inaugurou o blog e depois um canal no YouTube para compartilhar seus aprendizados e entrevistar especialistas para esclarecer as principais dúvidas relacionadas ao assunto.

"Descobri que 1% da população mundial tem vitiligo. É muita gente e não há ninguém que fale e compartilhe experiências pessoais, principalmente para acalmar quem acabou de descobrir a doença e também as mães, que não sabem como lidar direito com isso".