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Mais do que "chamar a atenção": por que a nudez feminina é um ato político?

No Grammy Latino, a cantora Mon Laferte usou a visibilidade para protestar - Joe Buglewicz/Getty Image
No Grammy Latino, a cantora Mon Laferte usou a visibilidade para protestar Imagem: Joe Buglewicz/Getty Image

Ana Bardella

De Universa

15/11/2019 14h42

Ontem durante a 20ª edição do Grammy Latino, a cantora chilena Mon Laferte aproveitou o espaço do tapete vermelho para protestar. Com os seios à mostra, ela escreveu no corpo a frase "No Chile torturam, estupram e matam", referindo-se à violência contra mulher praticada no país. Ela também usou um lenço verde no pescoço: o acessório é um símbolo da luta pela legalização do aborto.

Há anos mulheres usam a exposição dos corpos como ato político. Apesar de muitas delas serem questionadas, principalmente sob o argumento de que estariam querendo "chamar a atenção", ativistas e estudiosos da área defendem que o ato de se despir em público vai além disso.

"A nudez é uma maneira de questionar normas que foram historicamente construídas em torno do corpo e da sexualidade das mulheres", opina Viviane Hermida, doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo da UFBA. Na visão da especialista, os corpos femininos são submetidos a diversas formas de controle. "A criminalização do aborto é um exemplo disso. Quando mulheres lésbicas são estupradas sob o argumento de que estão tentando 'corrigir' sua sexualidade também", diz.

Viviane relembra que mulheres passaram a ser consideradas sujeitos políticos há pouco tempo. "O espaço público ao qual temos acesso foi construído para homens. Ocupar as ruas coletivamente com esse tipo de protesto é se apropriar delas também", ressalta.

Por que no Carnaval é liberado?

Citando o racismo, a pesquisadora relembra que as normas que regulam a exposição do corpo feminino em público são flexíveis, dependendo da situação. "A feminista Lélia Gonzalez relembra que mulheres negras são autorizadas a ficar nuas no Carnaval, sempre de uma forma hipersexualizada. Isso contribui para a desigualdade racial", argumenta. Ou seja: sob a lógica do patriarcado, só é permitido que a mulher fique sem roupa se o intuito for sexual.

Graças a esta sexualização, a nudez é um recurso que funciona para atrair a atenção. "Por isso durante muitos protestos, tais como a Marcha das Vadias, as mulheres que mostram os seios ou outras partes do corpo preferem escrever palavras de ordem na pele, a fim de que o debate não fique em segundo plano. Como é comum que as pessoas encarem o ato como um exagero, o recurso ajuda os demais a compreenderem as razões de seus protestos", aponta.