Look de respeito: elas doam roupas de trabalho para jovens de baixa renda
Maiara Souza, 23, de São Paulo (SP), se sentia deslocada pela forma com que se vestia na faculdade. "Por mais que todos os dias eu acordasse pensando em como era incrível estar naquele lugar, às vezes eu ouvia comentários que me magoavam demais e me sentia incapaz por não ter condições de me vestir bem", diz a Universa.
Hoje ela trabalha como produtora de eventos e procura se vestir bem, não importa se vai visitar um pequeno negócio em um bairro simples ou uma grande agência. Os cuidados com o visual são os mesmos. "Mais de 50% da primeira impressão que uma pessoa tem de você é a partir do que ela vê. Os outros 50% vai ser pelo que ela escuta de você, pela forma com que você se porta, e o profissionalismo que você apresenta. Quero que o cliente saiba que eu sou uma profissional no momento em que ele me vir entrando em seu negócio", afirma.
Ela participou de uma das três edições do Look de Respeito, que recolhe doações de roupas corporativas e doa para jovens mulheres que não têm condições de obter um guarda-roupa executivo completo. "Pode parecer besteira, mas a roupa é importante para que essa mulher se sinta inserida no contexto em que ela vai trabalhar", fala Gabriela Hunnicutt, 47 anos, idealizadora do projeto com a amiga Milena Satyro. "Se você trabalha em um ambiente onde as pessoas têm uma condição financeira muito diferente da sua, você acaba se sentindo diminuído por não conseguir se encaixar naquele local diariamente."
Maiara saiu do evento com seis looks de trabalho. Para a jovem, a produção é importante também pelo impacto psicológico que ele tem no indivíduo. "Tanto para autoestima como para a saúde mental das pessoas. Um fator muito determinante é como as pessoas te enxergam. E isso reflete diretamente em como você se vê, de certa forma. Sentir-se incluído nesses ambientes nos dá mais coragem para ir em busca de crescimento profissional."
Autoestima no mundo corporativo
Em 2017, Gabriela, CEO e fundadora da agência de conteúdo Bold, percebeu que estava com o armário cheio de terninhos e roupas corporativas de que não precisava mais. "A gente vai comprando mais coisa do que precisa e acumulando essas peças", diz a Universa. Como não queria vender as roupas, mas sim doá-las, procurou uma garota que fosse fazer bom proveito das peças: uma jovem trainee que não tivesse condições de comprar looks de trabalho. "Encontrei uma garota e mandei as roupas. Ela me mandou uma mensagem muito emocionante, dizendo como aquilo tinha sido transformador para ela", diz. O texto que recebeu foi o estalo que a fez criar o Look de Respeito.
A consultora de imagem e estilo Rafaella Nunes, de São Paulo (SP), explica que o código de vestimenta mais corporativa é criada, na maioria das vezes, para que a empresa tenha uma identidade visual, "para que todo mundo ali, desde o CEO até o pessoal de limpeza, esteja de acordo com a imagem da empresa. O objetivo é que todo mundo siga um padrão pré-estabelecido", afirma a especialista. "Assim, quando uma pessoa não segue o dresscode, ela está automaticamente se 'descolando' e se separando visualmente da empresa e dos próprios colegas. E pode, ainda, transmitir a imagem de que não quer fazer parte daquele grupo."
Porém, nem sempre seguir ou não seguir o código de vestimenta é uma escolha pessoal. Em muitos casos, uma jovem aprendiz ou trainee não tem condições financeiras para adquirir as roupas que a fariam estar no mesmo padrão de seus colegas. "Imagina uma menina da comunidade que é contratada em um escritório de advocacia em que as pessoas se vestem bem e ela não tem dinheiro para seguir o padrão? Ela pode se sentir excluída", complementa Gabriela.
Foi por entender a potência que um look de respeito pode trazer que a empresária criou a iniciativa, cujo evento acontece a cada seis meses. "Se essa jovem mulher se veste tão bem quanto os colegas mais abastados, se ela se sente segura com a roupa que está vestindo, vai desempenhar melhor sua função, porque terá a sensação de que faz parte daquele contexto e que é tão adequada quanto o colega de baia que veio de uma família com mais condições." E isso reflete diretamente também na segurança em abraçar oportunidades. "Em uma das edições, uma das participantes disse que finalmente poderia ir a um evento do qual ela tinha desistido porque não tinha uma roupa que considerasse apresentável."
Inclusão no guarda-roupa
Porém, ajudar a essas mulheres a se inserir no mundo corporativo não acaba no look do dia. "O evento inclui também uma 'aulona' de maquiagem e uma palestra de consultoria de estilo", afirma Gabriela, que está reunindo doações de roupas que podem ser entregues no escritório da Bold, em São Paulo (SP). Com 12 participantes, a próxima edição do Look de Respeito acontece em 14 de setembro, que terá ainda um workshop sobre como montar um bom currículo e como se sair bem em uma entrevista de emprego.
Segundo a empresária, esse esforço completo é importante para tornar empresas mais inclusivas. "Hoje a gente tem falado muito em diversidade, em contratar mulheres afrodescendentes ou de baixa renda, mas ainda são poucos os que se preocupam com inclusão. Estamos falando de pessoas que vêm de realidades muito diferentes. Em um mesmo escritório, pode trabalhar alguém que estudou em uma faculdade superconceituada e cara, e outro em uma faculdade mais simples. É preciso pensarmos em como fazer com que todos os funcionários se sintam iguais, sintam que pertencem ao mesmo lugar. E não é a minha roupa que vai me separar do meu colega de baia, que vai me excluir no meu ambiente de trabalho", afirma Gabriela.
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