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Projeto resgata autoestima da mulher: "Nunca pensei em tirar foto sensual"

Priscila Gomes

Colaboração para Universa

06/09/2019 04h00

Apaixonada por fotografia desde a adolescência, Acsa Lira criou um projeto que tem como objetivo resgatar autoestima de mulheres afetadas por fim de relacionamentos, alguns abusivos. Outras de suas modelos precisam apenas exaltar a beleza feminina para conquistar mais força. A fotógrafa potiguar tem hoje 33 anos e o feedback das mulheres que ela clicou tem mostrado que uma boa foto e conversa pode devolver o amor-próprio.

Em Natal, cidade onde nasceu, Acsa pedia para fotografar as amigas e conhecidas. "Foi assim que criou o projeto Cenalô, (@cenalofotografias) onde os ensaios "funcionam como mais um estímulo de autoconhecimento e empoderamento, retratando a singularidade de cada mulher". Ela conta que criou a página para que as pessoas pudessem ver o resultado do trabalho e, assim, encorajar outras mulheres.

Confissões durante os ensaios

A cada convite que Acsa fazia escutava frases como: "Não estou bem com meu corpo, deixa eu emagrecer 5 kg". "Sempre tinha algum problema que eu não enxergava. Foi a partir daí que comecei a trabalhar a autoestima delas no momento do convite, antes dos ensaios, e muitas vezes cheguei a prometer que tiraria 2 kg no Photoshop, coisa que nunca fiz", revela.

A fotógrafa conta que as mulheres se sentem à vontade durante os ensaios, — a maioria acontece na própria casa da modelo — e acabam confessando os motivos da autoestima baixa. "Nos intervalos, elas desabafavam que estavam saindo de depressão ou de relacionamentos abusivos, tóxicos, e até de casamentos".

Os ensaios são feitos gratuitamente, mas a ideia é expandir para ajudar cada vez mais mulheres. A maioria é feita sem ganhar nada. "Meu foco é outro: é fazer com que elas se enxerguem, ajudar aquela mulher a sair de uma situação ruim. Com a fotografia, acredito que tenho ajudado. É o que elas relatam quando veem o resultado".

Após as fotos, a revelação

Depois das fotos prontas, as mulheres fotografadas começavam a se enxergar de outra forma, ter um outro olhar sobre o próprio corpo. "A sensação era de um choque da beleza que elas tinham e não viam, porque antes só prestavam atenção nos defeitos. Ainda escuto coisas do tipo 'não fotografa minha barriga ou minha perna'. Mas quando elas veem as imagens percebem partes do corpo que nem prestavam atenção, mas que ali eram exaltadas positivamente".

Queria registrar o momento em que o furacão passou

A produtora de queijos Juliana Cunha, 29, conta o que a levou a fazer o ensaio. "Faz quatro meses que terminei um relacionamento de 11 anos. Fui percebendo que me transformei psicologicamente e fisicamente. A minha relação com o corpo começou a mudar e passei a aceitar sensações e desejos que antes eu bloqueava de alguma maneira", conta.

Segundo Juliana, uma mudança em sua vida aconteceu após os ensaios. "Vi que Acsa sabe captar o movimento, a intensidade, os sentimentos e conflitos de cada corpo feminino. Achei que ia ser transformador poder tirar as fotos e senti que eu queria registrar esse momento em que o furacão passou. A sensação que tenho em relação às imagens se transforma ainda, a cada vez que vou olhá-las. Foi uma experiência que compôs meu momento de transformação de uma maneira incrível", revela emocionada.

O ensaio que virou obra de arte

De Natal, a publicitária e padeira Ana Carolina Cardoso, 38 anos, conhecida como Catu, foi convidada por Acsa para um ensaio sensual. "Nunca imaginei que algum dia eu pudesse tirar fotos sensuais que trouxessem essa força feminina. Quando ela me convidou, eu travei, mas em seguida topei. Sempre sofri muito em relação ao meu corpo por causa da obesidade".

Há quatro anos, Catu fez a cirurgia bariátrica e emagreceu mais de 50 kg, mas o corpo "novo" ainda trazia receios: "Sobra pele e fazer um ensaio sensual nunca passou pela minha cabeça".

Catu conta como sua autoestima mudou após as fotos. "O ensaio foi munido de muita energia, compreensão e sororidade — porque é uma mulher fotografando outra mulher. Tirei as fotos praticamente nua e minha mãe gostou tanto do resultado que fez uma pintura com a foto. Então, eu tenho duas imagens lindas a respeito de tudo isso. Sou mãe e tenho uma questão com o corpo além da cirurgia bariátrica. Mas foi uma injeção de ânimo, me senti uma diva".

A beleza está muito mais na cabeça e na energia do que no corpo ou nos padrões

A paranaense Francini Stelli Goldoni, engenheira civil e empresária, 33 anos, foi umas das primeiras mulheres a serem fotografadas por Acsa em Natal, onde mora há 11 anos. E o início de um relacionamento foi a razão para registrar a alegria que estava vivendo. "Hoje já estou casada e na época eu quis eternizar aquele momento".

"Nunca tive problema de autoestima. Eu não tenho um corpo dentro dos padrões aceitos, mas isso nunca me impediu de fazer algo, jamais me senti feia ou menos poderosa. No ensaio, mostrei pele, barriga, seios molinhos como sou e sou muito segura. Apenas não publiquei tudo nas redes por causa do meu trabalho.

A engenheira, que já fez dois ensaios, novembro de 2017 e agosto de 2018, nunca aceitou retoque em suas fotos. "As pessoas viam as fotos e diziam que me enxergavam ali, por isso não queria que fossem tiradas manchas ou colocasse filtros, queria que captassem a beleza, a essência. E como sempre digo, a beleza está muito mais na cabeça e na energia do que no corpo ou nos padrões", desabafa perguntando "quer ver a cabeceira da cama?". Várias fotos estão espalhadas pelo seu quarto.

Próximos passos com mais mulheres

Acsa apresentou neste mês seu estudo pela Universidade de São Paulo que tem como objetivo fotografar mulheres que sofreram relações abusivas, violentas e estão sendo amparadas por alguma instituição.

Chamado de Retrato da Superação, ela explica que a ideia é unir criação fotográfica, arte e terapia e assim resgatar a autoestima dessas vítimas. A fotógrafa acredita que as fotos poderão auxiliar em tratamentos psicoterapêuticos.

"Esse acompanhamento será voltado para mulheres que foram vítimas de violência sexual e consequentemente vieram a desenvolver traumas. A ideia é que os ensaios possam estimular o autoconhecimento e a redescoberta da autoestima, auxiliando no processo de superação dessas mulheres", explica Acsa, que agora está em busca dessas organizações e dar continuidade no seu trabalho voluntário.