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Como manter o namoro com alguém que está em depressão, sem adoecer junto

Depressão não é contagiosa: a estratégia é preservar a harmonia entre o casal - Getty Images
Depressão não é contagiosa: a estratégia é preservar a harmonia entre o casal Imagem: Getty Images

Elisa Soupin

Colaboração com Universa

09/08/2019 04h00

Falta de vontade de sair, de levantar da cama, tristeza, desânimo persistente. A depressão é uma doença que atinge milhões de pessoas pelo mundo e pode levar à morte. Familiares e amigos de alguém com um quadro depressivo muitas vezes sofrem junto. Se o vínculo for amoroso, então, o impacto pode ser ainda maior. Relacionar-se amorosamente com uma pessoa em depressão não é simples, mas a doença não é contagiosa e é possível, sim, namorar sem adoecer.

"Não se transmite depressão e um não tem o poder de tornar o outro depressivo. No entanto, a doença pode interferir no humor do casal, impossibilitando que a harmonia e a saúde mental, fundamentais para qualquer relacionamento, sejam preservadas. O maior desafio está em poder identificar o que é seu e o que é do outro, para assim tentar ajudá-lo", explica a psicóloga Kátia Bonfadini Pires, da Clínica Leger.

A psicoterapeuta Denise Figueiredo, especializada em terapia de casais, conta que há estratégias que podem ajudar a lidar com a depressão.

"Mente, corpo e espírito precisam estar harmonizados para sair da depressão. Estabelecer uma rotina que tenha atividade física, por exemplo, é ótimo, então, façam juntos uma caminhada. Ampliar a rede de cuidado e proteção dessa pessoa também conta. Se a pessoa não consegue sair, convide alguns amigos e receba em casa. Também é importante não tornar a depressão segredo e contar às pessoas próximas. Isso faz com que o deprimido veja que outras pessoas enfrentam isso e que ele não está sozinho", afirma ela.

Juntos há dois anos, o designer Gabriel, de 30 anos, e o professor Thiago, de 34, lidam juntos com a depressão de Gabriel, que ele tinha antes de conhecer o namorado.

"Ele já tinha ciência dos meus problemas psicológicos, já convivia com a depressão. Achei melhor deixar isso claro para ele de cara. Conversei, falei que eu tinha certas limitações e que era compreensível se ele não quisesse entrar nesse barco. Entrou. De uma forma geral, eu tento fazer de tudo para não impactar a relação, mas claro que uma hora não dá. Eu nunca sei quando vou acordar bem ou o que pode acontecer durante o dia que vai causar alguma reação. Sinto que acabo privando ele de diversos programas por minha causa", conta Gabriel, que esteve por muitos anos em processo terapêutico e, agora, está fazendo uma pausa.

"Ele ter depressão me faz ter mais cuidado com as palavras e atitudes. Algumas vezes, há uma instabilidade no entorno que afeta ele e afeta a gente, mas o que eu faço é buscar apoiar e trazer leveza. Acho que a maior dificuldade do namoro foi entender situações como querer sair e ele não querer de jeito nenhum e eu entender que não era o Gabriel falando e, sim, a depressão. Também há situações em que ele fica silencioso e quieto. Tento entender que não é comigo. E tento ser um ponto de apoio para o Gabriel", explica Thiago, que prefere não ter o sobrenome revelado por ser professor. "Acho que ele está bem melhor hoje em dia. Ele diz que eu trago leveza."

"O fato de ele compreender e entender a minha situação me deixa mais à vontade, sim. Ele me deixa confortável pra ter o meu momento e entende quando acontece alguma crise", conta Gabriel.

Depressão de um, terapia para os dois

Kátia Bonfadini Pires explica que, quando se está lidando com uma pessoa em depressão, é importante que os dois busquem tratamento psicológico para que possam se ajudar e para que a parte saudável não adoeça.

"O importante é saber separar o que é de cada um, o que cada um está sentindo. Para isso, é importante que ambos tenham um acompanhamento de um profissional capacitado em psicologia, para se tratarem e descobrirem a melhor maneira de lidar um com outro. Caso contrário, é bem provável que a relação desande e não dê certo", alerta ela.

Denise endossa o discurso de Kátia. "Se um dia, a parte que não está adoecida acorda e quer sair e a pessoa com depressão não deseja, cabe negociar e dizer 'olha, eu preciso sair, fazer as minhas coisas, trago uma comida na volta'. Não convém que o parceiro audável fique em casa naquele mesmo estado, não fará bem a ele. Em casos graves, em que a pessoa em depressão não pode ficar sozinha, a responsabilidade pelo cuidado precisa ser compartilhada", explica.

Preconceito com tratamento

Os estudantes João Francisco e Gabriela Casemiro estão juntos há três anos. Gabriela tem depressão e síndrome do pânico e João Francisco tem ansiedade generalizada, o que atrapalha muito a vida social dos dois.

"Lido com a depressão desde os 10 anos, pratiquei automutilação durante um tempo e meu pai teve muita dificuldade em entender, não aceitava que eu deveria tomar remédio, achava que terapia era besteira", diz ela.

"No ensino médio, piorei muito com a pressão do colégio. Consegui me abrir com a minha mãe, fui ao psiquiatra e comecei a me tratar com remédio. Hoje, a depressão afeta a minha relação de várias formas. A gente tem muito problema de sair para os lugares, sentimos muito medo. É difícil a gente conseguir se animar com as coisas. É difícil um apoiar o outro, porque cada um tem um quadro. Nós dois temos tendência a nos isolarmos. Mas a gente tem tentado entender o espaço do outro, as necessidades, mas é difícil", relata ela.

Hoje em dia, Gabriela e João estão buscando ajuda profissional para lidar, individualmente, com suas questões.

"Eu tenho plano de saúde, mas a oferta de psicólogos é baixa e disputada. Além disso, você tem que 'dar match' com um profissional, o que não é simples. Então, eu e ele estamos nesse momento de buscar. Eu não fiz isso antes porque sempre ouvi que terapia era para gente maluca e você não quer ser visto como maluco pelas pessoas. Demorou para eu me desprender dessa ideia", diz ela.

Kátia afirma que não se deve assumir a função de curar o parceiro ou parceira e, sim, como no caso de Gabriela e João, buscar quem realmente pode ajudar a enfrentar diferentes quadros psiquiátricos com a devida seriedade.

"A maior responsabilidade com o outro neste caso está em solicitar ajuda de um profissional e não tentar resolver sozinho a situação, pois a depressão é uma doença grave que mata milhares de pessoas a cada ano", alerta.

Uma boa relação amorosa não resolve, mas pode sim ajudar em um quadro depressivo. Denise pondera que a compreensão e o companheirismo com a doença contam muito.

"Meu maior conselho é jamais minimizar a dor do outro. Com respeito, buscar entender e buscar ajuda para poder ajudar é o melhor caminho. Não existe uma relação de causa e efeito, como 'tenho uma boa relação, logo, não terei depressão'. Mas uma boa relação de carinho, amor e respeito pode ajudar muito a sair do modo deprimido", garante a especialista.