Transformar o hobby em trabalho nem sempre vai deixar você mais feliz
Há poucas décadas, a função do trabalho era simples: ser um ganha-pão. Hoje, é um meio para obter sucesso, realização e felicidade. Mas o cenário não é dos mais favoráveis: estamos inseguros com o mercado de trabalho e descontentes com a vida. É isso o que mostra o Índice de Medo de Desemprego e o Índice de Satisfação com a Vida, da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Em julho de 2018, o dado mais recente divulgado, a insegurança dos brasileiros em relação ao emprego estava entre os maiores apontados pela pesquisa trimestral, que começou em 1996 (de 0 a 100, o indicador alcançou 67,9 pontos). Já o Índice de Satisfação com a Vida caiu para 64,8 pontos, o menor nível desde junho de 2016.
Medo e descontentamento constante geram estresse, que leva a doenças emocionais. O trabalho em desarmonia com o indivíduo pode causar sofrimento, frustração, angústia e até depressão. Em 2016, quase 200 mil pessoas foram afastadas do trabalho por transtornos mentais e comportamentais (depressão, estresse, ansiedade, transtornos bipolares entre outros), segundo dados do INSS.
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Quer dizer, o trabalho parece estar proporcionando tudo, menos prazer. O que explica muitas pessoas sonharem em transformar um hobby, aquela atividade prazerosa que se faz quando não se está trabalhando, em trabalho. “Ter sucesso, hoje, não é só conseguir se manter, não depender de ninguém, mas conseguir se manter fazendo o que ama”, fala a doutora em antropologia do consumo, Hilaine Yaccoub. Trabalhamos não só por conta do salário, explica ela. Ter uma ocupação define a nossa identidade. “A primeira pergunta que surge quando você se apresenta para alguém é sobre o seu trabalho. Trabalhar significa que você está vivo, que você produz e não é à toa no mundo”, explica Yaccoub.
Trabalho-prazer
Já que temos de trabalhar, podemos querer ser felizes no batente, certo? Claro. Mas prazer e felicidade não são a mesma coisa, diz a psicóloga autora do livro “Educação Emocional Positiva” (Sinopsys Editora) e do curso que leva o mesmo nome, Miriam Rodrigues. “Existe uma diferença entre vida prazerosa e vida feliz. A vida feliz é uma construção, e está ligada a desenvolver atividades que façam sentido para mim, ainda que não seja o tempo todo prazerosa”, diz. “A felicidade não é estar lá em uma praia, em uma rede, sem fazer nada. Isso é só descanso”, fala Rodrigues.
O psicanalista e chefe da Divisão de Qualidade de Vida do Instituto Federal do Maranhão, William Amorim, também defende que a ideia de felicidade é mal compreendida. “Não é uma experiência permanente e garantida, é antes uma experiência do instante”, fala.
É uma armadilha ter muita expectativa em relação à satisfação que o trabalho pode proporcionar, fala a psicóloga e neurocientista, Rosana Alves. “É saudável encarar o trabalho como algo que faz parte da vida e que nos proporcionará possibilidades de amadurecimento, de reconhecimento, de conquistar muitos sonhos. Mas a felicidade não depende desse único aspecto da vida”, diz.
Pode dar certo, mas pode dar muito errado
Transformar a atividade prazerosa das horas vagas em ganha-pão tem riscos. O primeiro deles é ver o hobby se esvaziar de prazer, já que a principal característica desse passatempo é não envolver nenhum tipo de obrigação, dizem os especialistas. Uma vez que exige um compromisso, uma expectativa de retorno além do bem-estar momentâneo, ele deixa de ser definido dessa forma. Portanto, a dica é experimentar colocar o hobby em prática de segunda a sexta-feira e perceber ser fora da atmosfera de relaxamento, com prazos e cobranças, ele se mantém como uma atividade prazerosa.
No pior dos cenários, você pode tentar descobrir o que torna aquela atividade tão prazerosa e procurar um trabalho ou carreira com essas características. Por exemplo, você gosta de cozinhar, mas percebeu que não dá para abrir um restaurante. E se você atuasse, na sua área, em uma empresa do setor alimentício? No fim do expediente, o ideal é que as vantagens de trabalhar superem os percalços. Mas se, ainda assim, você não se sentir feliz durante 9 horas do dia, experimente mudar o olhar sobre o batente. “Talvez os motivos que o mantém no trabalho –manutenção da família, pagar a faculdade do filho– sejam suficientes para aliviar a infelicidade nessa área”, diz Rosana Alves.
Colaboraram neste texto: Beatriz Santos e Letícia Rós
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