"Fui presa grávida por desacato e criei minha filha na cadeia por 4 meses"
Andréa Maciel, de 34 anos, estava grávida de sete meses quando foi presa por desacato a autoridade, em novembro de 2016. A ex-moradora de rua ficou seis meses na cadeia. Ela cuidou da filha Ariadina na prisão por quatro meses até ser solta, em maio de 2017.
Na última terça (20), o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que mulheres grávidas e mães de crianças de até 12 anos que estejam em prisão provisória --condição que Andréa estava--têm o direito de ficar em prisão domiciliar até o julgamento. Andréa não teve essa chance e conta, neste depoimento, a experiência de ter ficado com a filha numa cela com três presidiárias gestantes.
“Estava grávida de sete meses quando fui presa após me envolver numa confusão com um morador que pediu para eu tirar um colchão que estava em frente à casa dele. Eu morava na rua há três anos e me recusei a obedecê-lo. Tinha bebido e usado drogas. Ele chamou a polícia, eu briguei com os policiais e fui presa por desacato a autoridade.
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Dividia a cela com três grávidas
Fui mandada para o Instituto Penal Feminino Desembargadora Auri Moura Costa, em Fortaleza (CE), onde permaneci por seis meses. Fiquei na ala reservada às gestantes e mães com filhos. Dividia a cela com mais três grávidas. As celas ficavam abertas e podíamos circular pelo pátio durante o dia.
Fiz o pré-natal na cadeia. Passava com o médico uma vez por mês. Fiz exames de sangue e o ultrassom mostrou que eu teria uma menina. Já era mãe do João Mateus, de 17 anos, e de uma nenê, de dois anos, que nasceu com deficiência. Ela nasceu quando morava na rua e eu a dei para uma pessoa cuidar.
Uma vez por semana, o pessoal da igreja ia ao presídio e eu participava dos grupos de estudo e de oração. Eu me sentia em paz. Só tinha o desejo de sair da cadeia e ser uma nova pessoa. Eu não tinha nada para a minha filha. Montei meu enxoval com as doações das igrejas. Ganhei roupinha fralda, banheira, mamadeira e produtos de higiene pessoal.
Eu me senti humilhada: fui escoltada e dentro de um camburão para o hospital
Estava com 38 semanas quando comecei a sentir muita dor e perder líquido. Avisei a agente penitenciária. Foi um sufoco, fiquei esperando quase três horas até eles fazerem relatório e arranjarem carro para me levar ao hospital. É muita burocracia. Já vi mãe parir na cadeia e não queria isso, morria de medo.
Fui ter minha filha no hospital, escoltada por policiais, dentro de um camburão. Eu me senti muito humilhada. Eu sei que eu estava naquela situação [presa] porque tinha feito algo de errado e estava pagando, mas nem por isso merecia uma condição como aquela. Nenhuma presa merece. Nós deveríamos ter o direito de ir numa ambulância com enfermeiro. Se acontece alguma coisa e o bebê nasce antes do tempo ou tem algum problema, as agentes penitenciárias não estão preparadas para isso.
O parto da Ariadina foi muito rápido. Ela teve uma complicação e ficou dez dias internada. Uma agente penitenciária ficava no quarto com a gente o tempo todo. Ela observava tudo o que eu fazia com o meu bebê. Era bem constrangedor.
Dava desespero ficar com minha filha na cela
A volta para a cadeia foi triste, sofri muito com a minha filha na prisão. Ela não tinha berço, dormia comigo na cama. A fase de cólicas foi bem difícil, ela chorava muito à noite e atrapalhava o sono das outras presas. Dava desespero ficar com ela daquele jeito naquela cela pequena e abafada. Eu chorava dia e noite.
Uma vez por semana eu levava ela na consulta com a pediatra dentro do presídio. A médica a examinava, tirava as medidas, peso, perguntava como estava a amamentação e o sono dela. As outras presidiárias me ajudavam e ficavam com a Ariadina quando eu precisava tomar banho e lavar as roupinhas dela. A nossa cela era muito limpa. Todos os dias uma presa fazia faxina. Nós tínhamos medo de pegar alguma bactéria ou doença por causa da sujeira.
Eu continuei dividindo a cela com as mesmas três grávidas, minha sorte é que só eu tinha tido bebê. Nas outras celas era muito sofrimento e confusão, havia muitas crianças e muitas delas ficavam doentes e choravam. Isso gerava um estresse muito grande entre as mães. Elas brigavam e discutiam. Era um horror.
Amo minha liberdade. Não quero voltar para a cadeia
Quando a Ariadina completou quatro meses de vida, fui solta. Foi uma sensação maravilhosa. Estou batalhando para melhorar a cada dia. Fomos morar com a minha sogra e há seis meses iniciei a oficina de corte e costura na Sociedade da Redenção. Meu sonho é terminar o curso, arranjar um emprego e alugar uma casa para morar com os meus filhos. Amo minha liberdade e não quero nunca mais voltar para a cadeia”.
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