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Mãe é proibida de amamentar filha em UTI para não chocar outros pais

Yara e Júlio posam com a pequena após ela sair do hospital - Reprodução/Facebook
Yara e Júlio posam com a pequena após ela sair do hospital Imagem: Reprodução/Facebook

Vivian Ortiz

Do UOL, em São Paulo

06/03/2017 19h25Atualizada em 07/03/2017 12h13

O casal de músicos Yara Villão e Júlio Pelloso passou por um aborrecimento na UTI do Hospital Santa Joana, em São Paulo (SP). Tudo porque ela foi proibida de continuar amamentando a filha recém-nascida devido ao horário de visita masculina. Indignada com a situação, Yara escreveu um post sobre o assunto em seu perfil no Facebook. 

"É Carnaval, e é possível ver vários peitos na TV. Enquanto isso, na UTI, sou solicitada a tirar meu bebê do peito, pois é o horário da visita dos pais. Argumento com a enfermeira que se se trata de uma recém-nascida, que demorou para conseguir ajustar a pega e que eu a cobriria com um lençol", contou. A resposta foi: "Não é permitido, protocolo do hospital. Precisamos contemplar pessoas de todas as crenças e culturas."

Em entrevista para o UOL, Júlio Pelloso contou que, após a viralização do post da mulher, quando vários amigos do casal passaram a reclamar na página do Facebook do hospital e maternidade, o estabelecimento entrou em contato por telefone. "Uma pessoa, que disse ser da Ouvidoria do hospital, quis saber se havíamos sido bem atendidos, ou se tínhamos alguma reclamação", contou. Devido ao problema, também foi realizada uma reunião com a família no final da tarde desta segunda-feira (6).

"Fomos recebidas pelas duas chefes da UTI, e tivemos uma conversa muito boa. As duas assumiram que ocorreu um distanciamento da conduta do hospital com o que está sendo aplicado ali dentro. Elas acharam inadmissível', contou. Júlio explicou ainda que, em momento algum, o objetivo foi destruir a reputação do hospital, mas sim ajudá-los a melhorar o serviço. "Estamos felizes com a repercussão, pois eles se mostraram super disponíveis a mudar isso", destacou.

Aparentemente, segundo o músico, as adaptações já começaram. O uso de fraldas para cobrir o bebê no momento da amamentação já está sendo permitido. "Na saída, inclusive, encontramos alguns pais que elogiaram nossa postura, e até 'acordaram' para algo que eles próprios não estavam tendo lá dentro. Quem procurar o hospital no futuro será melhor atendido, acreditamos".

Procurada pela reportagem para dar a sua versão oficial, o Hospital e Maternidade Santa Joana informou, na terça-feira (7), que a situação não condiz com a conduta orientada pela Instituição e, visando a melhora constante, os processos internos foram reforçados junto a toda a equipe da UTI Neonatal. "A maternidade reitera ainda que estimula o aleitamento materno, sendo que todos os casos são avaliados individualmente considerando que cada bebê pode apresentar necessidades diferenciadas, de acordo com seu estado de saúde dentro do ambiente da UTI Neonatal", diz a nota. 

Regras da UTI

Em um segundo post, a musicista explicou que, assim que chegou na UTI, às 6h do dia 20 de fevereiro, ela foi informada que as mães teriam horários específicos para amamentar os bebês internados lá (6h, 9h, 12h, 15h, 18h, 21h, 0h, 3h). Já os pais poderiam encontrar os filhos em três horários diferentes, com duração máxima de 30 minutos cada visita (10h30, 15h30 e 20h30). "Observem que o horário das 15h30 é no meio do das mulheres, e é também uma das horas em que as pediatras conversam com os pais", ressaltou.

Mãe de primeira viagem, Yara contou que ela e a bebê demoravam quase meia hora para se acertarem na mamada. No segundo dia de internação, às 15h, quando a menina enfim conseguiu mamar, a enfermeira solicitou que ela parasse tudo para que os pais pudessem entrar. "Expliquei o que estava acontecendo e disse que poderia cobri-la, mas a resposta foi que não era possível, pois era norma do hospital que não houvessem mães amamentando na presença dos pais", contou.

Depois, quando a pediatra passou, Yara explicou o que tinha acontecido, destacando que as duas haviam sido prejudicadas. "Ela me deu a seguinte resposta: 'aqui atendemos muitos tipos de pessoas, (como) muçulmanos, judeus, cristãos ortodoxos (usando as palavras da médica), e eles não encaram amamentação como vocês. É para contemplar a todos que existe essa regra'."

O casal mostra Sanira quando ela ainda estava internada na UTI - Reproduēćo/Facebook - Reproduēćo/Facebook
O casal mostra a filha quando ela ainda estava internada na UTI
Imagem: Reproduēćo/Facebook

A profissional também ressaltou que a ideia era proteger as mães, que poderiam ficar constrangidas caso fossem olhadas por alguém, além de dizer que toda regra era baseada em reclamações já recebidas pelo hospital. "Ela disse ainda que poderia me garantir que minha bebê não estava passando fome, pois a alimentação seria complementada com mamadeira (fato que também discordei, mas não era possível optar, a mamadeira também é uma regra na UTI do Santa Joana)", ressaltou.

Yara ainda questionou se poderia fazer o método canguru, quando o bebê prematuro é colocado em contato pele a pele com a mãe ou o pai. A resposta foi a de que, segundo normas do hospital, isso era aplicado até 1,8kg, algo que sua filha já não se enquadrava.

"Eu disse ainda que desejava ficar ao lado dela por mais tempo, sem tirá-la da incubadora para não interromper o tratamento, e me foi dito que eu só poderia permanecer na sala nos horários pré-determinados pelo hospital. Vim a saber depois que existe uma lei que garante acompanhamento permanente para menores de idade", escreveu.

Ilegal

De acordo com o advogado Rodrigo Araújo, especialista em Direito à Saúde, é importante considerar que alguns bebês, principalmente prematuros, podem não conseguir sugar o leite ou terem dificuldades respiratórias que demandam ventilação mecânica e, portanto, impossibilitam a amamentação. "Mas, se não houver perigo para o próprio bebê, e para as outras crianças que lá estão, o hospital não pode impedir uma mãe de amamentar o filho dentro da UTI", ressalta.

Em São Paulo, inclusive, existe uma lei municipal (nº 16.161/2015) dizendo que todo o estabelecimento, público ou privado, dentro do município, deve permitir o aleitamento materno, ainda que não tenha áreas específicas para essa finalidade. Em caso de descumprimento da norma, quando o hospital quer proibir ou constranger o ato da amamentação, ele estará sujeito à multa de R$ 500. Em caso de reincidência, o valor da multa é dobrado.

"Em outras palavras, a mãe pode e deve amamentar seu bebê em qualquer lugar, com ou sem outras pessoas no local, seja o estabelecimento privado ou público, ainda que não haja uma área reservada", explica o advogado.