Singelo, carnal, arrebatador: saiba mais sobre os jeitos de amar
A locomoção bípede, a verticalização da postura, o uso do polegar opositor e o desenvolvimento da linguagem estão entre os fatores que explicam a evolução dos hominídeos. Mas essas habilidades só puderam levar o Homo à condição de sapiens graças a um sentimento que lhes conferiu sentido e motivação: o amor. Foi a ligação afetiva que diferenciou a espécie e estruturou a sociedade humana.
Para pensadores como o neurobiólogo chileno Humberto Maturana e o antropólogo francês Edgar Morin, o amor é um fundamento biológico do ser humano. Ocupando lugar central em muitas das mais sublimes obras da cultura humana, o amor é, também, a possibilidade de transcendência do tempo e da morte. Segundo o psicólogo Thiago de Almeida, mestre em Psicologia pela USP (Universidade de São Paulo) e especialista em relacionamento amoroso, é isso o que diz a própria palavra amor: derivada do grego é uma junção do prefixo a (negação) e mors (morte).
Para Almeida, o amor participa ativamente da estruturação da personalidade e da autoestima. "Aqueles que, por algum motivo, não cresceram em um ambiente acolhedor têm grandes chances de desenvolverem problemas com o amor próprio. Podem sofrer de depressão ou até apresentar dificuldade de levar adiante sua vida profissional e emocional”, diz o psicólogo. Segundo ele, há diversos estudos que sugerem associações entre o tipo de vínculo amoroso que desenvolvemos com os pais e a maneira como amamos na fase adulta.
A flor do amor tem muitos nomes
No livro "Grande Sertão: Veredas", de João Guimarães Rosa, o personagem central, Riobaldo, fala de três amores que teve na vida: Otacília, Nhorinhá e Diadorim. Cada um representa um sentimento diferente: Otacília é o amor pela família, tranquilo e singelo; Nhorinhá é o desejo da carne, simples e natural; Diadorim é o amor irracional, confuso, mas arrebatador e divino. “A flor do amor tem muitos nomes", confessa ele, em certo trecho do livro.
O sertanejo Riobaldo percebeu algo que, séculos antes de Cristo, motivava discussões entre os gregos: que é possível amar várias pessoas ao mesmo tempo, de diferentes maneiras.
Maria de Lourdes Borges, professora de Filosofia da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) e pesquisadora do tema paixão, explica que os gregos faziam a distinção de três tipos de amor. “Eros é o amor sexual; filia é a amizade, a parceria intelectual e afetiva, e ágape é o amor aos seres humanos em geral”, explica a professora. Ao ser utilizada pelos cristãos para designar um amor capaz de inspirar até o sacrifício da própria vida, a palavra ágape acabou ganhando força como sinônimo de amor divino e incondicional.
Estilos de amar
O psicólogo Ailton Amélio, professor do Instituto de Psicologia da USP (Universidade de São Paulo) e autor do livro “O Mapa do Amor”, adota, em suas pesquisas sobre o tema, uma tipologia cunhada pelo sociólogo canadense John Alan Lee. “É uma classificação mais moderna e científica, elaborada a partir de estudos documentais e entrevistas”, diz ele.
De acordo com essa classificação – utilizada para a compreensão da relação de um casal – existem três estilos primários de amor e mais três secundários. Os primários são eros (motivado pelo interesse sexual), estorge (que se desenvolve a partir da amizade) e ludos (mais casual e passageiro, do latim ludus, faz referência à diversão).
Os secundários nascem da combinação desses três: o amor mania é uma combinação de eros e ludos, e caracteriza romances possessivos; pragma, composto de ludos e estorge, é o amor pragmático, que avalia racionalmente as qualidades do parceiro; e ágape seria a composição do amor estorge e eros, onde há atração sexual, amizade e cuidado com o outro.
Entre essas seis classificações, há uma infinidade de nuances. “A maioria das pessoas se identifica parcialmente com dois ou mais desses estilos. O amor de cada um é resultado de diferentes combinações desses jeitos de amar”, diz o psicólogo.
Segundo Amélio, conhecer bem o estilo de amar do parceiro e procurar modelos compatíveis com o seu é fundamental para um bom relacionamento a dois, pois a maneira como se vivencia o amor dificilmente muda ao longo da vida. “O estilo de apego se forma na infância e deixa marcas para toda a vida”, diz ele.
O psicólogo também explica que o amor entre parceiros compatíveis é mais satisfatório e esse é o objetivo da maioria. “Embora alguns sejam solteiros convictos e felizes, a maior parte busca vínculos duradouros, alguém para dividir as experiências de vida. Cerca de 92% das pessoas do mundo inteiro se casam pelo menos uma vez, não necessariamente de modo formal”, afirma.
Amor sem barreiras: a compaixão
O amor é mais do que encantamento e atração sexual. “Quando falamos de amor, tendemos a imaginar um casal de apaixonados. Mas esse jeito romântico seria um sentimento nascido na Europa do século 13, com os trovadores medievais”, diz o filósofo Clodomir Barros de Andrade, professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Religião da UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora). Mais tarde, o Romantismo, movimento filosófico e artístico do século 19, teria cristalizado esse amor em sua forma ardente, apaixonada e sofredora: paixão, do latim, passio, significa sofrimento.
Segundo Andrade, especialista em religiões e filosofias da Índia, o ideal do amor romântico é uma construção da cultura ocidental. No mundo oriental ele não tem a mesma ênfase; ainda é comum, por exemplo, encontrar uniões estáveis e felizes que resultaram de acordos entre famílias. Por outro lado, o amor ágape disseminado pelo cristianismo encontra correlatos em todas as outras culturas e tradições religiosas, como uma condição necessária à sobrevivência. “No budismo, o karuná, que podemos traduzir para compaixão, é fruto da descoberta de que eu e o outro somos interdependentes, partilhamos de uma certa ecologia da existência”, afirma.
E em qualquer campo do conhecimento humano, os especialistas concordam: o amor é essencial para a vida. Para o filósofo Clodomir Andrade, esse sentimento é o que deu condições para que a espécie humana, uma das mais frágeis, pudesse se estabelecer e se desenvolver. O psicólogo Ailton Amélio diz que o amor – em qualquer forma que se vivencie – é condição para boa saúde. “Quem tem bons vínculos afetivos é mais saudável psicológica e fisicamente e, quando doente, se recupera na metade do tempo”, fala.
Mas é na arte que podemos encontrar as mais belas justificativas para amar. “Que pode uma criatura senão, entre criaturas, amar?”, pergunta Carlos Drummond de Andrade, no poema "Amar". Ao que responde outro de seus poemas, “Diante de uma criança”: “Pois o amor resgata a pobreza, vence o tédio, ilumina o dia, e instaura em nossa natureza, a imperecível alegria”.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.