Natalia Timerman

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Opinião

Amor e poder: Sofia Coppola põe Priscilla Presley enfim sob os holofotes

O que vale o amor? Quanto você daria de sua vida e dos seus sonhos para viver uma grande história de amor? E se você fosse ainda uma garota de 14 anos que já havia precisado deixar seu país, seus amigos e sonhos e esse grande amor fosse simplesmente Elvis Presley?

"Priscilla", dirigido por Sofia Coppola, nos coloca cara a cara com essas perguntas. Os holofotes agora saem do palco e se posicionam sobre a estudante ginasial solitária que, por uma transferência militar do pai, foi morar na Alemanha.

Um convite inusitado de um oficial que a encontra à tarde tomando refrigerante de canudo a leva para uma festa na casa de Elvis Presley, o galã poderoso que, entre quatro paredes, vivia o luto recente da mãe e também sentia saudade dos Estados Unidos.

A paixão já estava pronta, vem em poucas palavras. Não sabemos bem o que Elvis sente —sabemos, pelo filme e pela nossa própria vida, que Priscilla não tinha como dizer não ao sonho de toda garota. Os questionamentos aparecem por meio da figura dos pais: por que ela, a filhinha deles, aquela garota comum, em interpretação sutil e precisa de Cailee Spaeny, se Elvis poderia ter qualquer mulher?

Talvez justamente porque ela era uma garota comum, protegida pela família, vulnerável. Não que Elvis tivesse a intenção consciente de aprisioná-la.

Como escreve Patricia Ditolvo em seu perfil de crítica literária @criticasinstantaneas, "o que começa como a história de amor perfeita, com o cara mais bonito, famoso e maravilhoso do mundo se apaixonando perdidamente pela garota da casa ao lado vai escorrendo pelos dedos e vira uma história de horror. Como tantas vezes na vida, junto com a maquiagem, tudo borra, e o que era elogio vira crítica, o que era gentileza vira controle, o que era convite vira prisão, o que era carinho vira ameaça, e não dá para saber bem que horas foi essa transformação. No filme, a gente desconfia que no primeiro comprimido."

A assimetria entre Elvis e Priscilla começa na altura (o belo Jacob Elordi tem quase dois metros, ao lado de quem Spaeny parece minúscula e ainda mais frágil) e continua em todos os aspectos da vida. Priscilla, ao lado dele, tem tudo, mas não tem nada.

Não pode trabalhar, precisa estar disponível quando ele liga, não pode ter quase nenhuma aparição pública, nem mesmo brincar com o cachorro no quintal da casa constantemente vigiada por fãs.

Não pode sequer desejá-lo. Diante de qualquer hesitação, ele a cala, avisando-a que tampouco poderia reclamar, pois está onde todas as mulheres do mundo queriam estar.

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A maior parte do filme se passa dentro de Graceland, a mansão onde Priscilla passa a viver com Elvis, rodeado de sua equipe e de um bando de amigos. É dali que ela tem notícias pelos jornais e revistas sobre sua própria vida íntima: seu sofrimento é nítido ao folhear periódicos e descobrir que seu namorado, depois seu marido, está se relacionando com outras mulheres.

Ela espera. Ela, aos poucos, se modifica, sem que tampouco saibamos exatamente como. O professor de caratê, as amigas, a filha, as próprias roupas, e então ela vai deixando o quarto, a cama, onde se passa boa parte do filme, onde as alturas deles se igualam (mas não a força física).

Crescemos rodeadas de histórias onde o final feliz era o casamento. Em seu belo "Priscilla", Sofia Coppola deixa evidente que o final feliz de uma história de amor pode ser quando a história termina, mesmo que o amor não.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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