Maria Ribeiro

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Opinião

Em qual Brasil você mora? E, dessa vista, consegue enxergar os outros?

Se você tivesse que se definir a partir das coisas que você ama, seria parte de uma lista previsível? Facilmente absorvida pelo algoritmo? Ou entraria no clube dos gostos aleatórios? Playlist Montanha Russa? Praia, por exemplo. Quem gosta de praia, normalmente é do bonde verão-cerveja-Carnaval, certo? Porque todas essas palavras, de alguma forma, parecem pertencer à mesma gaveta de endorfinas — e aqui, confesso, tem um pouco de inveja do lado de cá.

Já o time do mato, por outro lado, estaria mais alinhado ao silêncio — ou à música clássica —, às conversas em torno de "Anatomia de uma Queda" e à espera ansiosa por um clima "mais de vinho tinto". Ah, uma vez nesse grupo, nada de falar de "BBB". A linha que divide a alta cultura do entretenimento selvagem é clara e excludente. Ouse confundi-la. Juro — talvez nem sua identidade sobreviva à solidão da independência.

Me dei conta disso outro dia. Se você tem amigos considerados intelectuais, não tente elogiar Marília Mendonça. Letras de sofrência não combinam com cineclubes, assim como falar de moda não pega lá muito bem com o pessoal da filosofia. Citar Wanessa Camargo e Davi? Assistir às lives da Narcisa? Pronto, você acaba de ser eliminado de todos os seus círculos de literatura.

"Mas eu queria falar do livro da Rosa Montero! E acabei de rever todos os filmes do Kubrick!", eu teria dito, caso esse paredão tivesse de fato existido. Sim, essa foi uma fala imaginária, mas não a coloquei entre aspas à toa, e sim pra dizê-la aqui em voz alta, como tenho feito com essas colunas faladas, espécie de terapia barata com crônica de rádio.

A escrevi, por me ver, já há algum tempo, diante de um incômodo que me parece recorrente. Em qual Brasil você mora? E, dessa vista, consegue enxergar os outros?

Até que ponto aderir ou rejeitar determinados fenômenos de massa nos posiciona em melhor ou pior lugar diante dos nossos pares? E por que precisamos nos declarar, de forma tão definitiva e absoluta, a respeito de festas, artistas e estações do ano? Qual a porcentagem do ego nesse "ame-o ou deixe-o"?

Ainda não sei a resposta, mas deixo aqui as várias perguntas. E pode ser que eu esteja errada, mas algo nessa polarização me cheira a uma triste herança classista. Ou não. Talvez eu esteja apenas tentando entender onde caibo com esse corpo bipolar nos departamentos glitter e calor, meme e Machado de Assis. Corpo, aliás, atualmente dividido entre obsessões tão antagônicas quanto o ator Jeremy Allen White e o cantor e compositor João Gomes. Queria casar com os dois. E misturar absolutamente todos os convidados. Quem sabe assim, com um gringo no meio, a gente possa dividir o mesmo país.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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