Para Iza, Ju Paes e amigas: vocês e seus filhos serão uma família completa
Recentemente, eu comecei a falar sobre menopausa. De cara, percebi que o tema gerava um certo espanto. Como se eu estivesse cometendo um ato meio suicida, de falar, em primeira pessoa, sobre o corpo feminino.
Mas será que não é justamente sobre isso que mais precisamos falar?
Na semana passada, fomos todas surpreendidas pelo post da Iza. Grávida de seis meses, a cantora expôs com cara, coragem e barriga a violência do abandono do seu parceiro. Para mim essa é a palavra: abandono -mais do que traição.
Alguns dias depois, enquanto ainda elaborava porque a dor da Iza me bateu tanto, encontrei uma amiga em uma situação parecida. Seu marido, que eu sempre achei um cara incrível, estava saindo de casa porque percebeu depois de três filhos "que não nasceu para ser pai" - e aqui repito suas palavras exatas.
Por coincidência ou não, tudo isso aconteceu enquanto eu acompanhava uma terceira maternidade. Dessa vez, na ficção. Em "Pedaço de Mim", nova série da Netflix. Fiquei totalmente viciada.
A história, escrita por Ângela Chaves -e isso não é um detalhe, já que aqui também estamos às voltas com um corpo feminino-, é um folhetim daqueles de antigamente. E, no entanto, não poderia ser mais contemporâneo.
Não quero dar muitos spoilers, mas preciso dizer da importância de termos autoras escrevendo personagens sob a perspectiva da desigualdade de gênero. Porque a gente vive isso todos os dias. Com o taxista que dirige xingando porque não é um homem que está no banco de trás, com o irmão que se abstém dos cuidados com a mãe porque no fundo isso "é coisa de filha", com o parceiro que se acha no direito de dizer que amigas ele acha que você deve ter.
Mas voltando para a série: Juliana Paes é Liana, uma profissional realizada e independente que é casada com Tomás, um cara que qualquer pessoa classificaria como um cara legal. Mas Liana quer ser mãe, e a dificuldade para engravidar a torna menos sexy, menos leve, menos coadjuvante.
Tomás então a trai, afinal ela estava muito chata, obcecada com ovulação etc. E o resto, bom, o resto eu recomendo que vocês assistam já que o que se vê em 17 capítulos é um raio-X perfeito de um pensamento muito comum: o de que a família é uma instituição sagrada e com papéis muito definidos, sendo o sangue a grande cola do afeto.
Nessa estrutura, os homens devem estar no comando, os filhos são praticamente objetos narcísicos, e as mulheres estão a serviço dessa equação. Como bem diz Heloisa Teixeira, "a família é o crime perfeito".
Eu poderia ficar horas elogiando a série. Além do roteiro, da fotografia e da arte, a direção de Mauricio Farias também é impecável. E os atores! Nossa, os atores são um capítulo à parte, todos à vontade, apropriados de seus personagens, dando aquela alma que salta da tela e vem para gente.
Há muito tempo não sentia tanta saudade de atuar. Porque a coisa mais bonita da dramaturgia é quando ela entretém, mas também aponta algumas setas. A de "Pedaço de Mim", na minha opinião, é um alerta aos abusivos discretos. Aqueles, sabe? Que falam bem, e que leem poesia?
O problema é que, assim como os outros, os abusivos discretos também não têm nenhum respeito, nem pelo tempo, nem pela vida e muito menos pelo corpo de mulher. Deixá-los para trás, portanto, é uma excelente oportunidade de refazer a mesa de jantar e as fotos de viagem, e entender que, às vezes, uma família completa é feita de dois, de três, de cinco, do número que você quiser. O importante é que esse número te vista bem.
E que valorize o seu corpo.
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