Maria Ribeiro

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Opinião

A educação precisa absorver a gramática do rap, do trap, do samba e do funk

Quando Caetano, ainda em dezembro, falou de férias radicais, ninguém imaginou que janeiro fosse durar tanto. Do dia primeiro até aqui, passou um ano e ninguém viu. Sabe o tempo da janela? Então...Às vezes ele funciona de outro jeito...

Passei a virada em Ubatuba (SP) — Oscar de melhor verde do país —, fiz um filme (e como é linda a gente do cinema!), vi meu filho fazer 14, terminei a série do Betinho, ouvi Anitta cantar pro pai e fechei o mês com a minha melhor camiseta. A que não tirei nem quando estava doendo. E que agora estampo como se fosse de time campeão: "Te amo, Brasil".

Escrevo de Salvador. Pelo segundo ano consecutivo, venho com meu caçula pro Festival de Verão. Bento não ouve música americana. Nem americana, nem inglesa, nem de nenhuma outra nacionalidade. Às vezes até emplaco um Beatles no carro, reclamo que a gente precisa conhecer outras coisas, mas não adianta. O DDI do rapaz é meio sem jogo. E se isso não é bonito, eu não sei o que pode ser. "Virar gente" com bandeira, anota aí.

Depois do 7 a 1 de 2018 (sim, eu não errei a data), ver meu pequeno — que já me passou, e não só na altura — exibir sua origem com alguma "marra" me dá mais do que orgulho. A vontade que eu sinto é de voltar a estudar português. E de gritar pras escolas que tem uma língua na música que precisa ser ouvida pra ontem. Que é séria, transformadora, política, importante.

Não que eu esteja livre do papel que me cabe. Volta e meia reclamo das mensagens abreviadas, das frases curtas, do S e do N, da ausência de um ou outro H — eu amo o verbo haver —, mas não tenho dúvidas de que a educação formal precisa absorver a gramática do rap, do trap, do samba e do funk. Não existe dicionário sem rua. Nem democracia sem escuta.

Esse texto vem da Bahia. A terra do meu bisavô — que demorei a conhecer — tem, cada vez mais, virado um projeto não só de milhagem, mas também de raiz. Suas comidas, suas expressões, suas cidades, seus mortos, meus mortos — seus vivos.

Nesses três dias de 071, vi o tambor de Carlinhos Brown, a vibração do Baiana System, e a poesia de Baco Exu do Blues. Também não posso deixar de mencionar o show do Mano Brown com Seu Jorge — dois nomes pra tatuar no braço —, a trilha da vida toda chamada Lulu Santos, a deusa do carisma Ivete Sangalo, e a emoção de ver meu filho diante dos versos de Cabelinho.

Pra terminar, volto a Caetano Veloso, que interrompeu suas férias por um motivo imenso: mostrar seu "Transa" em casa — com Jards Macalé — e nos lembrar das obras e das dores produzidas pela ditadura.

Porque como dizia o eterno Wally Salomão, parte integrante e fundamental dessa turma, "a memória é uma ilha de edição". Eu acho que o tempo e a geografia também.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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