Maria Ribeiro

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Opinião

Tacacá e TikTok: promessas de um Ano-Novo na Serra do Mar

31 de dezembro de 2023. Pronto. Você chegou até aqui. Com mãe, filhos, gatos, algum estrogênio, muito melasma e sem conhecer o tacacá. Tudo bem. Agora é desligar total. Nada de posts, mensagens, e-mails ou DMs. No máximo, notícias da Serra do Mar —nossa, isso dava um super nome de livro.

Não, para. Que agora não é pra ter cérebro. Não esse. Não em trinta e um do doze. Vive a pousada, anda. Passarinho. Planta. Rede. Silêncio. Nada de pensar em nada. Vai pro azul e fica lá.

"Regras de convivência": tá escrito no alto do papel que você recebe na chegada. Estamos em Picinguaba. "Não servimos carne vermelha, frango ou refrigerantes". Incrível, você pensa —enquanto observa um "tie-sangue" voar sobre a piscina. Você acha que um dia deveria se mudar de vez pra Costa Verde.

Celular em modo avião. Celular em modo nenhum. Celular em modo câmera fotográfica. Um Googlezinho por dia na recepção e olhe lá. Mesmo assim, pra fazer buscas egoístas. "Vai chover mais tarde?". "Tem mosquito na Praia da Fazenda?".

Que se dane o jornal, com o excesso de mundo. A maternidade, com a promessa de importância. E a metrópole, aquele parque de coisas que não fecham. Esquece as farmácias e os cinemas, minha filha. Deixa o pensamento com os sapatos.

Dez dias. Dez, não; sete. É só ninguém ir pro hospital. E você não ter necessidade de falar com a analista. Coloca na agenda: angústias a partir de oito do um. E nada daquele papinho lugar comum de não acreditar em meia-noite.

Você é mais uma. Aceita. Comporte-se. Aja segundo as convenções. É só fazer tudo igual a todo mundo. Postar quando for pra postar. Não postar quando não for. Fogos, flores, exibição de famílias. Simples, você consegue.

Ok. Roupa branca separada, livro na cabeceira, contas em dia, ansiolítico na mala, mão estendida pro amor. Mas você baixou House of Cards, caso ficasse aflita com a ausência de wi-fi. Comprou chocolates aerados, caso sentisse falta de açúcar. E trouxe opções de looks, caso quisesse brincar de armário. Mas só se fosse imprescindível. Um SOS no meio da noite.

Uma semana, vai. Você merece. Você deu check em quase um terço dos desafios de um do um de vinte vinte e três. Não renovou a CNH, mas já pagou o DUDA. Não foi a Belém, mas pensou em ir. E o mais importante: deu muitos beijos na sua mãe. Que, em um super plot twist, não morreu e está fazendo canastra.

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Mas você tem que admitir. Talvez não tenha lido como a turma do seu feed. Também não viu todas as séries, nem todos os filmes, nem todas as paisagens, que, agora, te fariam dormir melhor. Se bem que, pra você, acordar é sempre o grande lance. A fome é que costuma salvar. A perspectiva da laranja e do café. Mas nada disso tem a ver com Réveillon. Você não manda em você, essa é a verdade.

"Você nunca ouviu o tacacá?". Você volta pro Natal. E muda de novo de assunto. Seu cérebro é um subproduto do reels. Mas o Natal. Sua comadre Luisa, que na verdade é madrasta do seu caçula —na falta de um título pré-existente, vocês acharam por bem se chamarem assim— te encara seriíssima.

"Tacacá?", você pergunta. "É uma dança?". Não, ela te explica. "Uma música, Maria. Joelma. Febre no TikTok. Tá todo mundo ouvindo". "Ai meu Deus, tô mesmo muito por fora", você percebe. "Assim, não vou conseguir dar pause. Só dá pra dar pause estando no play".

Você acha que não vai conseguir. Azul, verde, planta, passarinho, ansiolítico, "não pode refrigerante", fogos, branco, sapatos em casa.

Pronto. Passou. Você conseguiu.

3 de janeiro de 2024. Você está aqui. Sete dias depois, você se sente deliciosamente igual a todo mundo. Não fosse pela Coca escondida na geladeira da pousada. Ou pelo instante do Ano-Novo —que você dormiu. Sol e mar, fazer o quê? Não importa. Suas sinapses entraram no verão, e agora tem Joelma na playlist.

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Você é praticamente uma outra você, apesar dos traumas de antes (e de antes de antes).

Até 31 de dezembro, contudo, você estará pronta pra competir no ranking das retrospectivas particulares. Terá ido ao Círio com a Fafá. E será assídua no TikTok —pra, mais tarde, no outro recesso de fim de ano, poder dizer que tá dando um tempo do TikTok.

No mais, sua mãe está viva, você já ouviu o tacacá, e descobriu, de forma presencial, a única informação realmente relevante dos últimos tempos. Tem mosquito na Praia na Fazenda. E isso não tem a menor importância. A serra, afinal, é do mar. Mas ele é legal e (ainda) empresta pra gente.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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