Maria Ribeiro

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Opinião

Mulheres são praticamente meu manual de sobrevivência. Mas ninguém pergunta

A amizade feminina é o novo amor romântico? A afirmação — na verdade, uma pergunta — apareceu três vezes no meu direct no último domingo. O post, com texto da psicanalista Ingrid Gerolimich para a revista "Tpm", é ilustrado com uma foto de duas mulheres de biquíni, tomando sol. A imagem — típica de Instagram pré-reels — dá uma ideia de férias. De verbo intransitivo. Ali não falta nada. Ali não há solidão.

O recado das amigas que me encaminharam a publicação era evidente. "Podia ser a gente", pareciam dizer. Podia mesmo. Sempre fui boa parceira. Desde menina. Do recreio à coordenação. E se em casa fechei de forma mais firme com meu pai e com meu irmão, o mesmo não aconteceu na escola. Meninos eram paqueras, conversinhas no corredor, frio na barriga. Meninas, praticamente meu manual de sobrevivência.

Cheguei aqui assim. Quando perdi meu genitor, quando me separei, quando tive medo de uma ou outra mudança, foi amparada por mulheres que pude ir em frente. Tudo bem? Acordou melhor? Quer ver um filme? Perguntinhas básicas — do tipo boia salva-vidas — que raramente vêm de WhatsApps masculinos.

Mesmo assim, com cuidados tão nítidos, foram raras as vezes em que fui perguntada sobre minhas amizades. Ao contrário dos namoros, que sempre foram motivo de curiosidade — pra dizer o mínimo. Parênteses: tudo certo querer saber dos dates. Mas por que não incluir as amizades no conceito de sucesso? Por que tamanha diferença? Qual o preço desse vão?

Minha mãe, que aprendeu desde cedo que o sentido da vida estava na convivência com um homem, naturalmente passou isso adiante. O que significa que me senti mal todas as vezes em precisei responder: não, não estou namorando. Essa negativa vem seguida por um olhar de pena. E esse lamento faz com que eu me sinta menor. É o valor da mulher medido pelo homem que ela consegue atrair para o lado dela. Não importa se o cara é legal. Se me faz feliz, se é companheiro, se torce pelos meus êxitos. O que importa é que está ali. Quantas mulheres toleram relacionamentos violentos em nome de um encaixe social?

O texto de Ingrid, que também é socióloga e documentarista, é uma flecha certeira: "Ainda que as mulheres tenham avançado na luta e conquista de direitos, nossa cultura provoca um sentimento de incompletude e a crença de que o amor romântico é a coisa mais importante a ser conquistada na vida".

Não é. Casamento, seja da forma que for, é mais uma fração de uma matemática que deve incluir outras possibilidades de troca. Existem algumas entrevistas da atriz Jane Fonda em que ela fala da BFF Lily Tomlin e da dupla que elas formam dentro e fora das telas. "Eu existo porque tenho amigas. Elas me fazem mais forte, mais inteligente, mais corajosa, e me dão um toque quando preciso."

Esse trecho, dos toques, me parece fundamental. Pra mim, romance inclui erro e imperfeição. Em namoros e em amizades. Sob essa leitura, fecho com o post da Ingrid. E me sinto absolutamente representada por aquela cena. Duas amigas, juntas e em silêncio, inteiras e completas. Só falta o mar.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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