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Cris Guterres

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Instagram é minha vitrine, mas os dias que choro de ansiedade não estão lá

A jornalista Marina Gabriel: "Ser uma mulher independente dá trabalho" - Arquivo pessoal
A jornalista Marina Gabriel: "Ser uma mulher independente dá trabalho" Imagem: Arquivo pessoal

Colunista do UOL

24/08/2022 04h00

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*Uma vez por mês, abro o espaço da minha coluna em Universa para outras mulheres negras. Hoje, é a vez da jornalista, terapeuta tântrica e massoterapeuta Marina Gabriel.

Meu perfil no Instagram: vitrine de fotos de looks maravilhosos, #tbt de viagens esporádicas e carão de gata confiante. Vez ou outra alguns stories mostrando minhas refeições saudáveis (exceção à regra), seguido de foto no espelho da academia exibindo belíssimos pares de coxas grossas.

Seria o retrato perfeito de mulher independente, estável e com a rotina em dia se não falássemos de todo o contexto existente por trás dessa criação de conteúdo extremamente peneirada.

Mulher negra selfie ring light influencer influenciadora - Getty Images - Getty Images
Imagem: Getty Images

Os dias em que choro ao não conseguir executar tarefas simples por causa do transtorno de ansiedade não são postados, muito menos o meu estado de espírito depois de precisar resolver problemas familiares que não dizem respeito a mim. Sem falar no sentimento ao ter que escolher quais produtos vão e quais ficam no caixa do supermercado durante as compras, afinal a inflação está alta e mais uma vez o orçamento não cobre a realidade.

A verdade é que nós mostramos apenas o que queremos que seja visto. Assim, nossas responsabilidades profissionais, domésticas, familiares e, se sobrar um tempinho, pessoais, acabam se tornando invisíveis aos olhos de quem vê de fora.

Mas ser uma mulher independente dá trabalho. Não só é difícil como exaustivo mentalmente. Existem dois termos que quero trazer para a discussão: carga mental e trabalho emocional. Enquanto homens comumente se ocupam apenas de suas responsabilidades profissionais e pessoais, mulheres dedicam atenção constante às tarefas domésticas, maternas e profissionais, pensando com frequência no gerenciamento e planejamento dessas demandas coletivas.

Ressaltamos que, de forma histórica e estrutural, nós, mulheres, somos vistas como capazes de realizar com foco diversas atividades ao mesmo tempo. Grotesco, não? Nós o fazemos por falta de opção.

No ano de 2004, duas acadêmicas norte-americanas, Mary Ellen Guy e Meredith Newman, publicaram um artigo intitulado "Women's Jobs, Men's Jobs: Sex Segregation and Emotional Labor" (trabalhos femininos, trabalhos masculinos: segregação sexual e emocional, em tradução livre).

Enquanto mulheres constantemente executam tarefas que exigem trabalho emotivo, como suavizar tensões e relacionamentos conturbados, cuidar, planejar, gerenciar, ter empatia e trabalhar nos bastidores para possibilitar condições de trabalho cooperativo, o homem cumpre seu papel braçal ou intelectual dentro de sua posição sem ter de administrar o trabalho emocional. Se lembrarmos que não somos remuneradas e compensadas por desempenhar esse "trabalho invisível" o cenário se torna ainda mais chocante.

O resultado é um só e fica fácil compreender por que nós, mulheres independentes, seguimos tão exaustas das posições que ocupamos na sociedade, mental e fisicamente falando. Nos foi projetada durante séculos a ideia engessada de sermos gerenciadoras da casa, da família, do trabalho e de si. E é urgente pensarmos novas lógicas nas quais possamos nos desligar e olhar para dentro.

Sueide Kintê fala e ensina sobre autocuidado lindamente em suas redes, e gosto quando ela diz que sobreviver e cuidar de si é uma tecnologia. Tecnologia essa que deve e precisa estar em constante aprimoramento para dar conta de nos acolher, devemos encontrar espaços para cultuar a nós mesmas. Precisamos buscar rede de apoio alinhada a quem somos e ao que precisamos, gritar por ajuda. Falar e se unir como medicina contra os modelos coloniais de sociedade que tentam nos engolir.

Eu desejo não só a mim, mas também a você, mulher, que por vezes não tenha que se lembrar de uma data familiar importante, ou mesmo que possa gozar da liberdade de não precisar servir simpatia e sorriso para tudo e todos no trabalho sem receber perguntas sobre o estado de humor ou ciclo pré-menstrual. Quero que possamos desfrutar da despretensão de estar com a casa limpa ou não para receber visita sem ser vista como mulher sem capricho.

Quero o cuidado de uma rede de apoio que envie mensagem perguntando se precisa de alguém para cozinhar uma refeição afetuosa para ti. Para as que vivem a maternidade, o convite de poder deixar a cria com a amiga de confiança para ir ao parque, cinema ou onde desejar para estar única e exclusivamente consigo mesma.

O meu desejo é que possamos respirar e viver a plenitude de todas as nossas facetas com saúde física e mental, sem que isso seja um privilégio.

Para ouvir: Clube das Exaustas, episódio do podcast Bom Dia, Obvious; e Como Estabelecer Limites?, episódio do podcast Afetos