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Cris Guterres

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

'Desculpa perguntar, quantos anos você tem?': Envelhecer devia ser normal

Ainda estamos numa sociedade em que o envelhecimento é visto como feio, quando na verdade deveria ser visto como natural - iStock
Ainda estamos numa sociedade em que o envelhecimento é visto como feio, quando na verdade deveria ser visto como natural Imagem: iStock

Colunista de Universa

10/08/2022 04h00

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"Desculpa perguntar, mas quantos anos você tem?" A pergunta feita durante uma conversa informal por uma pessoa que eu acabara de conhecer me soou estranha, arranhou meus ouvidos e me colocou a refletir. Eu não tenho medo de dizer minha idade, e fiquei avaliando sobre a necessidade de se desculpar antes de perguntar a idade de uma mulher.

Logo após ter respondido que eu tinha 40 anos, fui parabenizada por não aparentar a idade que realmente tenho. Depois que passei a entender um pouco mais sobre como a beleza é utilizada como uma ferramenta de controle das mulheres, comecei a me incomodar com observações desse tipo. Receber parabéns por parecer mais nova do que realmente sou demonstra que ainda estamos numa sociedade em que o envelhecimento é visto como feio, quando na verdade deveria ser visto como natural.

Num grupo social em que o machismo é quem dá as cartas, beleza e juventude, principalmente quando se referem às mulheres, são sinônimos. Quanto mais as mulheres foram conquistando lugares em espaços de poder, maiores foram se tornando as exigências de beleza e jovialidade impostas sobre elas.

Envelhecer passou a ser um verbo que poucas de nós conseguem conjugar sem medo ou ódio da imagem que se reflete no espelho.

Recentemente vi uma foto da lindíssima Jennifer Lopez aos 53 anos numa campanha de publicidade. Magra, jovem e sem qualquer mancha no corpo, estria ou celulite. Uma imagem inalcançável para a maioria das mulheres do planeta. Mesmo as mais prósperas financeiramente terão dificuldade de conquistar um corpo e um rosto como o de JLo, que deve treinar de duas a três horas por dia, ter uma alimentação balanceada e acompanhada dos melhores profissionais de nutrição do mundo, fazer uso de suplementos e investir muito dinheiro nesta jovialidade. E está tudo bem com JLo, ela é fabulosa.

Não me surpreendo ao vê-la aos 53 anos com uma aparência de 25. O importante é ela estar feliz. Idade não deveria ser quantos anos temos, mas sim com quantos anos nos sentimos. O que me incomoda é o fato de só as imagens de corpos e rostos como o dela estarem estampados nas revistas e estrelando campanhas publicitárias e ver que estes veículos são utilizados para nos convencer de que encarnar a beleza é uma obrigação para as mulheres. Ainda são muito poucas as publicações que exploram corpos e belezas reais em suas reportagens e campanhas não fazendo das imagens de beleza uma arma contra as mulheres.

Desde a novinha das músicas de funk até as críticas pelas rugas e pelo cabelo grisalho recebidas recentemente pela atriz Sarah Jessica Parker no remake da série "Sex and the City". São inúmeros símbolos que se interpõem e nos conduzem numa sociedade que valoriza juventude e virgindade e nos torturam psicologicamente para parecermos sempre perfeitas.

A indústria antirrugas, anti-idade e antissinais cresce aceleradamente e a busca pela beleza e pela jovialidade coloca o Brasil no topo dos países que mais realizam cirurgias plásticas no mundo. Estamos à frente dos Estados Unidos e do México. São aproximadamente 1,5 milhão de cirurgias ao ano, segundo estudo realizado com dados da Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética (ISAPS) e da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP). Já o procedimento não cirúrgico mais realizado no país e no mundo é a aplicação de toxina botulínica (Botox), utilizada no combate a rugas e linhas de expressão.

Na sociedade ocidental, as mulheres negras, indígenas, asiáticas e trans sequer foram consideradas como referência do que é ser bela e jovem. Na hierarquia em que homens atribuem valor às mulheres, o perfil que categoriza o ideal determinado por eles foi construído a partir das características das mulheres brancas. A rivalidade feminina perpassa raça, idade e classe. As mulheres foram colocadas para competir entre si pela atenção dos homens num grupo social que impõe a heteronormatividade através da violência extrema.

Já parou para pensar qual é a verdade que seu corpo conta sobre você?

Qual é a sua relação com o espelho? É de medo ou de naturalidade? Não tem problema que você se sinta orgulhosa pelas pessoas te parabenizarem por parecer mais nova. Este texto não é sobre a obrigação de você envelhecer assumindo a idade que tem, mas sim um convite a refletirmos se estamos realmente confortáveis diante da imagem de beleza que nos é apresentada como ideal.

Por que estamos buscando parecer cada vez mais jovens? É porque realmente desejamos ou porque estamos sendo condicionadas?