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Cris Guterres

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Monica Rocha é atleta, mulher e Down: 'Sonho em casar e ser mãe'

Monica acumula 28 medalhas de campeonatos e oficinas de taekwondo  - Arquivo pessoal
Monica acumula 28 medalhas de campeonatos e oficinas de taekwondo Imagem: Arquivo pessoal

Colunista do UOL

09/03/2022 04h00

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Uma vez por mês, abro o espaço da minha coluna em Universa para outras mulheres negras. Hoje, é a vez da jornalista Clarice Tatyer, que faz um perfil da atleta Monica dos Santos Rocha.

Ser mulher é uma experiência muito diversa e cheia de dimensões e, entre elas, está a de ser mulher com síndrome de Down.

Monica dos Santos Rocha é uma mulher de 27 anos que acumula 28 medalhas de campeonatos e oficinas de taekwondo do Instituto Olga Kos, organização com projetos artísticos, esportivos e científicos para pessoas com deficiência intelectual.

Mas uma das suas maiores conquistas foi dentro de casa: o pai acreditava que a prática esportiva era apenas para homens, apesar de, hoje, incentivar a filha. Monica conta que conseguiu convencê-lo pesquisando imagens na internet que mostravam mulheres praticando a arte marcial. Agora, ela sonha em conhecer a Coréia do Sul, local de origem desse esporte milenar, e acredita que irá celebrar mais uma vitória.

Quem olha para a faixa vermelha de Monica não tem noção de quanta história ela carrega.

Sabemos que as conquistas femininas passam pela autonomia financeira, por isso,parte da luta da mulher se dá no mercado de trabalho. Contudo, a mulher Down depende da família para inserção e exercício da atividade laboral. Monica, por exemplo, também trabalha como assistente no Instituto Olga Kos e tem o próprio negócio: com a mãe, pinta e vende panos de prato. A atividade começou quando a mãe , Jildete Santos, descobriu um câncer e teve que parar de trabalhar.

Monica tem orgulho de poder, com seu dinheiro, comprar suas necessidades pessoais, como um aparelho celular e poder colaborar com os gastos domésticos. "Quando comecei a trabalhar fiquei muito feliz por ajudar em casa. É muito bom ter meu próprio dinheiro, me sinto autônoma e independente", comemora. Para esta autonomia ser possível , Jildete bancou, durante anos, aulas de reforço para que Monica aprendesse a ler. Infelizmente, ela interrompeu os estudos ao mudar de escola. Não se sentiu acolhida e, por isso, não conseguia acompanhar a turma.

Para Renata Andrade, especialista em Neurociência do Preconceito e Ciências da Inclusão, é preciso considerar duas perspectivas para bem-estar das pessoas com Down: autonomia e independência.

Quando se fala de autonomia, a relação é com empoderamento. Há sempre uma tendência em querer tutelar as pessoas com deficiência intelectual. O olhar da sociedade atual não é o de apoiá-las e, sim, de decidir por elas.

"Construímos um padrão de normalidade e qualquer pessoa que saia dele é destituída, automaticamente, da sua autonomia. Sob a perspectiva da diversidade funcional, isso é um profundo desrespeito", argumenta Renata.

"As pessoas com deficiência visual e intelectual ainda são as que mais sofrem rejeição no mercado de trabalho, vivenciando o olhar capacitista tanto do mercado de trabalho quanto da maioria das famílias. Nesse contexto, nem se enxerga o gênero da pessoa, seu perfil profissional e suas habilidades, apenas a síndrome de Down", diz a especialista.

Mulher com síndrome de Down não é percebida como mulher

Mulheres com Down também sofrem com os padrões estéticos e com uma contínua descaracterização da individualidade ao serem estereotipadas fisicamente e de maneira comportamental. Há uma infantilização quando a veem como "fofinhas", sempre usando o diminutivo ao falar sobre ou com elas.

Monica que gostaria de namorar mas, da vez que se interessou por um rapaz, os encontros dependiam dos responsáveis de ambos e da constância das atividades que praticavam para que a relação acontecesse. Jildete, sua mãe, demonstra cuidado com o tema: "Ela reclama de não sair sozinha, mas tenho medo. Embora seja mais esperta do que eu", confessa.

Segundo a sexóloga Elaine Pessini,"a sexualidade de uma mulher com ou sem Down é igual. "As mulheres com a síndrome têm desafios mais complexos porque os pais as veem como eternas crianças e desconsideram que, na juventude, começarão a ter desejo. Mas, a repressão nesse caso é bem maior", diz.

Natália Monaco, coordenadora do Departamento de Pesquisas em Desenvolvimento Humano & Diversidade do IOK, salienta: "existem mães com síndrome de Down e existem crenças e mitos que dizem que mulheres com esta síndrome não podem engravidar, que não têm uma vida sexual ativa. Vejo de duas formas quando falamos de sexualidade: o tema ainda é um tabu para pessoas com e sem deficiência, mas, quando falamos sobre a sexualidade da pessoa com deficiência, é um tabu duplo."